Apesar dos fluxos e refluxos da moda, com suas sucessivas reconfigurações e apropriações, há quase 4 décadas um tema tem sido recorrente: moda e fetichismo. Até os anos 60, a imagem fetichista era escondida, encontrada apenas em revistas sobre sexo como a High Heels, e suas práticas eram envoltas em mistério, porém, hoje em dia suas características vêm sendo bastante incorporadas à moda e tornadas mais e mais visíveis dentro da cultura popular. Esse processo de mudança é um dos interessantíssimos pontos abordados no livro Fetiche, da historiadora cultural especializada em moda, Valerie Steele.
Tal transformação se deve muito ao movimento de “liberação sexual” das décadas de 60 e 70, a partir do qual as pessoas começaram a reavaliar os seus comportamentos sexuais. O recato, a culpa e a visão do corpo como tabu passaram a ser vistos como produtos resultantes de uma tradição religiosa judaico-cristã, e tornaram-se uma herança indesejada de uma moral que servia apenas como obstáculo para o desenvolvimento dos ideais burgueses que vinham ascendendo. Um exemplo concreto dessa mudança foi a conhecida bota bizarra, que de objeto associado a prostitutas passou a ser um marco da moda fetichista, e o primeiro produto a adquirir certa aceitação popular. Atualmente, “qualquer um pode entrar em uma loja da Gucci, e estando na coleção certa, sair sobre um belo espartilho de couro, com botas tão justas e de salto tão alto que parecem se fundir às pernas”, disse uma blogueira fetichista que se dedica a estudar o assunto.
O fato dos produtos fetichistas terem se tornado tão comuns nos leva a pensar na diferenciação entre moda fetichista e moda fetiche. Afinal, embora as duas dialoguem, não são sinônimas. A moda fetichista se alimenta do fetiche, se inspira no fetiche, mas não tem como alvo satisfazer o fetiche. Segundo um texto produzido por mestre e escrava sobre o assunto:"Espartilhos são armadilhas cruéis, que deram seu lugar a Corselettes, mais amenos e suaves… mas só um fetichista entende a diferença entra a mera estética e sua fantasia".Outro tema que Steele pontua muito bem, e é de extrema relevância, é o papel da mídia no processo de aceitação e popularização da moda fetichista. Há o exemplo do seriado “Os vingadores”, exibido entre 1961 e 1969, no qual Dianna Rigg interpretava Emma Peel, uma mulher poderosa e sensual vestida com um catsuit de couro inspirado em roupas de alta costura. Nesse mesmo período, o rock and roll e seus cantores lançadores de tendências também contribuíram muito para que as roupas masculinas se tornassem mais eróticas.
Além disso, muito antes de Madonna “mega popularizar” a moda sadomasoquista, a história da moda fetichista sofreu a marcante influência do movimento punk. A roupa de cores e materiais pesados passou a ser usada junto a objetos ameaçadores que enfatizavam a idéia de transgressão e rebeldia, com a intenção de provocar os mais tradicionais. As mulheres punks se apropriaram desse discurso proibido e reconfiguraram seus significados, fazendo uso de clichês sexuais como meias arrastão, saltos agulha, sutiãs aparentes e capas de borracha. Resumindo, estes jovens expressavam a partir do uso do corpo e da indumentária sua vontade de destruir tabus. Uma frase que resume bem essa idéia citada por Valerie é “As roupas de amarrar eram ostensivamente apertadas (...) mas quando você as vestia lhe davam uma sensação de liberdade”, dita pela estilista Vivienne Westwood, uma das figuras mais importantes da moda punk.
Quem pensava que após todos os acontecimentos da década anterior, os anos 70 seriam de calmaria, se enganou. Embora o radicalismo político tivesse enfraquecido com o fim da guerra do Vietnã, em quase todos os outros aspectos o radicalismo cultural se difundiu por toda a sociedade, principalmente no que diz respeito à questão da liberdade sexual, que tornou-se um fenômeno de massa justamente nessa época. E assim, nesse período, a moda fetichista estava espalhada até por lojas de departamentos, o que significa uma grande aceitação popular.
Na década de 80, porém, houve um recuo dessa popularização, entre outros fatores devido ao movimento feminista, que criticava a moda fetichista por estar cristalizando o lugar de submissão da mulher, tratando-a como “mulher-objeto”. Entretanto, o título “mais sado que masô”, que nomeia uma pequena parte do livro de Steele e remete a uma frase da jornalista Sarah Mower, parece explicar que a moda fetichista é mais para ferir – no sentido de romper com o padrão, com o careta, com o “certinho”, com o tradicional - do que para ser ferido – no sentido mais simples do masoquismo.
Não podemos negar, no entanto, que até hoje a palavra fetiche carrega certo peso, sempre ligada à idéia de perversão, e talvez por isso tenha se tornado cada vez mais comum chamar aquilo que antes era conhecido como bizarro de sexy, ou ainda, como “roupa de poder”. Esta, aliás, foi a principal tendência de moda na década de 80: a idéia de mulher forte e dominadora. Impossível não lembrar de Madonna empurrando seus “homens-escravos”, tratando-os como objetos sexuais. Steele destaca que nos anos 90, quando houve um resgate da moda de 60, a imprensa intitulou Emma Peel como uma heroína feminista, comparando-a a mulher gato, sendo ambas poderosas e independentes.
Tais usos da moda fetichista sem dúvida atestam a idéia de que embora as mulheres sejam muitas vezes tratadas como objetos de prazer, vistas como “peito e bunda”, como afirma a própria Valerie Steele, isso não significa que sejam sempre, e que para fugir disso não possam ser encaradas como sujeitos sexualmente desejantes. Afinal, a mulher não deve ser somente vista como objeto vitimizado! A moda fetichista está, acima de tudo, relacionada a sensualidade. E não podemos esquecer que atualmente a mulher sexy é poderosa, e vice-versa.
Tal transformação se deve muito ao movimento de “liberação sexual” das décadas de 60 e 70, a partir do qual as pessoas começaram a reavaliar os seus comportamentos sexuais. O recato, a culpa e a visão do corpo como tabu passaram a ser vistos como produtos resultantes de uma tradição religiosa judaico-cristã, e tornaram-se uma herança indesejada de uma moral que servia apenas como obstáculo para o desenvolvimento dos ideais burgueses que vinham ascendendo. Um exemplo concreto dessa mudança foi a conhecida bota bizarra, que de objeto associado a prostitutas passou a ser um marco da moda fetichista, e o primeiro produto a adquirir certa aceitação popular. Atualmente, “qualquer um pode entrar em uma loja da Gucci, e estando na coleção certa, sair sobre um belo espartilho de couro, com botas tão justas e de salto tão alto que parecem se fundir às pernas”, disse uma blogueira fetichista que se dedica a estudar o assunto.
O fato dos produtos fetichistas terem se tornado tão comuns nos leva a pensar na diferenciação entre moda fetichista e moda fetiche. Afinal, embora as duas dialoguem, não são sinônimas. A moda fetichista se alimenta do fetiche, se inspira no fetiche, mas não tem como alvo satisfazer o fetiche. Segundo um texto produzido por mestre e escrava sobre o assunto:"Espartilhos são armadilhas cruéis, que deram seu lugar a Corselettes, mais amenos e suaves… mas só um fetichista entende a diferença entra a mera estética e sua fantasia".Outro tema que Steele pontua muito bem, e é de extrema relevância, é o papel da mídia no processo de aceitação e popularização da moda fetichista. Há o exemplo do seriado “Os vingadores”, exibido entre 1961 e 1969, no qual Dianna Rigg interpretava Emma Peel, uma mulher poderosa e sensual vestida com um catsuit de couro inspirado em roupas de alta costura. Nesse mesmo período, o rock and roll e seus cantores lançadores de tendências também contribuíram muito para que as roupas masculinas se tornassem mais eróticas.
Além disso, muito antes de Madonna “mega popularizar” a moda sadomasoquista, a história da moda fetichista sofreu a marcante influência do movimento punk. A roupa de cores e materiais pesados passou a ser usada junto a objetos ameaçadores que enfatizavam a idéia de transgressão e rebeldia, com a intenção de provocar os mais tradicionais. As mulheres punks se apropriaram desse discurso proibido e reconfiguraram seus significados, fazendo uso de clichês sexuais como meias arrastão, saltos agulha, sutiãs aparentes e capas de borracha. Resumindo, estes jovens expressavam a partir do uso do corpo e da indumentária sua vontade de destruir tabus. Uma frase que resume bem essa idéia citada por Valerie é “As roupas de amarrar eram ostensivamente apertadas (...) mas quando você as vestia lhe davam uma sensação de liberdade”, dita pela estilista Vivienne Westwood, uma das figuras mais importantes da moda punk.
Quem pensava que após todos os acontecimentos da década anterior, os anos 70 seriam de calmaria, se enganou. Embora o radicalismo político tivesse enfraquecido com o fim da guerra do Vietnã, em quase todos os outros aspectos o radicalismo cultural se difundiu por toda a sociedade, principalmente no que diz respeito à questão da liberdade sexual, que tornou-se um fenômeno de massa justamente nessa época. E assim, nesse período, a moda fetichista estava espalhada até por lojas de departamentos, o que significa uma grande aceitação popular.
Na década de 80, porém, houve um recuo dessa popularização, entre outros fatores devido ao movimento feminista, que criticava a moda fetichista por estar cristalizando o lugar de submissão da mulher, tratando-a como “mulher-objeto”. Entretanto, o título “mais sado que masô”, que nomeia uma pequena parte do livro de Steele e remete a uma frase da jornalista Sarah Mower, parece explicar que a moda fetichista é mais para ferir – no sentido de romper com o padrão, com o careta, com o “certinho”, com o tradicional - do que para ser ferido – no sentido mais simples do masoquismo.
Não podemos negar, no entanto, que até hoje a palavra fetiche carrega certo peso, sempre ligada à idéia de perversão, e talvez por isso tenha se tornado cada vez mais comum chamar aquilo que antes era conhecido como bizarro de sexy, ou ainda, como “roupa de poder”. Esta, aliás, foi a principal tendência de moda na década de 80: a idéia de mulher forte e dominadora. Impossível não lembrar de Madonna empurrando seus “homens-escravos”, tratando-os como objetos sexuais. Steele destaca que nos anos 90, quando houve um resgate da moda de 60, a imprensa intitulou Emma Peel como uma heroína feminista, comparando-a a mulher gato, sendo ambas poderosas e independentes.
Tais usos da moda fetichista sem dúvida atestam a idéia de que embora as mulheres sejam muitas vezes tratadas como objetos de prazer, vistas como “peito e bunda”, como afirma a própria Valerie Steele, isso não significa que sejam sempre, e que para fugir disso não possam ser encaradas como sujeitos sexualmente desejantes. Afinal, a mulher não deve ser somente vista como objeto vitimizado! A moda fetichista está, acima de tudo, relacionada a sensualidade. E não podemos esquecer que atualmente a mulher sexy é poderosa, e vice-versa.
Bibliografia:
STEELE, Valerie. Fetiche. Moda, sexo & poder. Rio de Janeiro, Rocco, 1997.
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