quinta-feira, 22 de junho de 2017

Skolors: uma celebração das "brasilidades"?


A campanha Skolors, da marca de cerveja Skol, elabora mais uma tentativa de se distanciar da imagem hegemônica do que se entende como um comercial de cerveja. Nessas peças publicitárias, a marca compra outra briga com um aspecto enraizado na estrutura social brasileira: o racismo. A proposta é celebrar a diversidade da população brasileira com latas de cinco cores diferentes com alguns tons de pele; as cores do Brasil. 

Esta não é a primeira vez que a empresa tenta se desvincular de sua imagem anterior e coloca outros paradigmas em seus comerciais. A ação promovida em março deste ano, para dialogar com o Dia Internacional da Mulher, é também um exemplo. Nela, mulheres foram convidadas a reformular antigas campanhas machistas e misóginas da marca e transformá-las em um novo material, apresentando positivamente diversas feminilidades e formas de ser.  

O momento é mais que oportuno para a elaboração de peças publicitárias como esta. A atual conjuntura dos movimentos sociais que embarcam na arena de disputas discursivas abre campo para a luta pelo poder de também significar o mundo e a sua própria realidade. Esta luta pela disputa de sentidos se traduz nas reivindicações de reconhecimento e reparação (SAILLANT, 2015). No caso da campanha Skolors, o reconhecimento e reparação dos grupos raciais: negros e mestiços. 

Nesta arena de disputas, no que tange os estímulos dos meios de comunicação de massa, o que emerge são as relações de contenção e resistência, propostos por Stuart Hall em muitos de seus escritos. Dois momentos dialéticos, entre os produtos da indústria cultural e as “massas” que o consomem. A contenção se caracteriza pela assimilação destes produtos; uma forma de “aceitar” essas produções, apropriar-se destes produtos. Já o momento de resistência pauta-se na negociação ou total negações dos signos. Estas dinâmicas constantes são as que colaboram com o que se entende como os processos de mediação, teoria analítica proposta por Mártin-Barbero em sua obra Dos meios às mediações, as relações entre a sedução e a negação. Nesta proposta, o autor propõe um rompimento com os binarismos, afirmando que este olhar sobre os processos culturais enfraquece a percepção das contradições e das lutas.

De acordo com o que discorre Stuart Hall, no texto A identidade cultural na pós-modernidade, o sujeito pós-moderno percebe-se em um constante processo identitário. Em decorrência de um deslocamento das estruturas, uma descentralização do poder que corrobora na aparição de uma pluralidade de centros de poder, o sujeito pós-moderno aciona processos identitários também descentralizados, que podem ser opostos e contraditórios, que, por vezes, pouco têm a ver com as associações discursivas instituídas. 

Decerto, as identidades nacionais também são afetadas por esse processo. Ainda em consonância com Hall (1992), a identidade nacional constrói-se na intenção de unificar as diferenças através de conquistas violentas, pauta-se na valorização e na supressão de certos atributos para a elaboração de um ideal de nação; determina, de diversas formas, o diferente, e, naturalmente, opõe-se à ele. A identidade nacional é uma forma estanque de entendimento sobre uma comunidade imaginada (ANDERSON, 2008), mas que ainda está sujeita aos seus processos internos de contradição. 

Voltando à campanha publicitária, o que vemos é que ela se esforça em transparecer esta identidade nacional. Propõe-se a expressar uma “brasilidade” elaborada aos moldes da famigerada “democracia racial”. O rompimento com a antiga imagem da empresa associada a mulheres de biquíni perfeitamente adequados aos padrões de beleza estabelecidos, migrando para uma perspectiva mais consciente da pluralidade e diversidade da população, se faz possível através de reivindicações elaboradas por políticas de identidade (HALL, 1992; WOODWARD, 1997) que são muito pertinentes para a garantia de políticas públicas coerentes a estas reivindicações. 

Por outro lado, também opera nos moldes capitalistas de elaboração de mercado. Um processo característico da virada do século XX para o XXI. Muniz Sodré (1999), em sua obra Claros e escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil, argumenta, brilhantemente, sobre a percepção da camada negra da população brasileira que, naquele momento, se encontrava de fora dos esquemas de representação nos trabalhos no marketing e na publicidade de produtos de toda sorte. O autor afirma que, neste período, as camadas negras da população são percebidas como nicho de mercado e dá indícios de que isto teve seu início nos centros de pesquisa universitários sobre cultura e negritude e destaca a importância da revista Raça para promover a estabilidade deste âmbito. De toda forma, o que podemos compreender deste quadro é que as políticas de identidades também são políticas econômicas e operam tanto para o "bem" de quem reivindica quanto para o capital.

Veja o vídeo da campanha Skolors abaixo:



Postagem: Matheus Bibiano - graduando de Estudos de Mídia/
Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UFF - GRECOS/LAMI

Nenhum comentário: