Até na Justiça, candomblé é alvo de intolerância
Para Justiça Federal do Rio, candomblé e umbanda deveriam ter um texto
sagrado como fundamento e venerar a uma só divindade suprema.
Por Jean Wyllys
Por Jean Wyllys
Publicado no site CartaCapital em 16/05/2014
A intolerância religiosa e os
preconceitos em relações ao candomblé e à umbanda sempre infiltraram os
poderes da República e as instituições do Estado que se pretende laico. E
talvez pelo fato de essa infiltração ter sido sempre negligenciada,
apesar dos seus efeitos nocivos, ela tenha feito desabar um cômodo do
Judiciário: a Justiça Federal do Rio de Janeiro definiu que umbanda e
candomblé "não são religiões". Tal definição - que mais se parece com
uma confissão pública de ignorância - se deu em resposta a uma decisão
em primeira instância do Ministério Público Federal que solicitou a
retirada, do Youtube, de vídeos de cultos evangélicos neopentecostais
que promovem a discriminação e intolerância contra as religiões de
matriz africana e seus adeptos, já que o Código Penal, em seu artigo
208, estabelece como conduta criminosa, “escarnecer de alguém
publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou
perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar
publicamente ato ou objeto de culto religioso”.
Em vez de reconhecer a existência da ofensa - e não há dúvida para
qualquer pessoa com um mínimo de discernimento e senso de justiça de que
a ofensa existe - a Justiça Federal do Rio de Janeiro desqualificou os
ofendidos; considerou que não "há crime se não há religião ofendida".
Para tanto, a Justiça Federal do Rio conceituou umbanda e candomblé como
cultos a partir de dois motivos absolutamente esdrúxulos (ou seria
melhor dizer a partir de dois preconceitos?): 1) candomblé e umbanda
deveriam ter um texto sagrado como fundamento (aqui a Justiça Federal
ignora completamente que religiões de matriz africana são fundadas nos
princípios da transmissão oral do conhecimento, do tempo circular, e do
culto aos ancestrais); e 2) candomblé e umbanda deveriam venerar a uma
só divindade suprema e ter uma estrutura hierárquica (aqui a Justiça
Federal do Rio atualiza a percepção dos colonizadores do século XVI de
que os indígenas e povos africanos não tinham fé, não tinham lei nem
tinham rei). Pergunto: Há, na decisão da Justiça Federal, pobreza de
repertório cultural, equívoco na interpretação da lei ou cinismo
descarado?
Alerta: na terça-feira (20), a assessoria de imprensa da Justiça Federal do Rio de Janeiro divulgou que o juiz responsável pelo regimento da sentença voltou atrás e admitiu o erro, reafirmando candomblé e umbanda como religiões.
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