sábado, 20 de junho de 2009

Will & Grace - Reflexões sobre a cultura do consumo - Parte I




“Eu sou fabulosa, certo? Eu me visto lindamente, tenho rios de dinheiro, sou quente e tenho lindos peitos”. Foi exatamente dessa forma que Karen Walker se definiu num dos episódios do seriado Will&Grace.
Empregando a metáfora do sociólogo Bauman, Karen é a "turista" por excelência, representa aquilo que todos gostariam de ser: é rica e fabulosa. Dona de uma fortuna de incontáveis milhões de dólares, tem acesso a todo e qualquer bem de consumo que quiser, quando desejar. Ela não só tem plena consciência disso, como o usa para marcar sua distinção (objeto de estudo de sociólogos como Pierre Bourdieu e Marx) em relação aos demais.
Um de seus esportes favoritos é maltratar as pessoas que estão abaixo de sua condição social. Outro passatempo adorado pela Karen é criticar o visual de Grace Adler, que também é sua amiga: cabelo, roupas, sapatos... nada escapa dos olhares críticos e dos comentários afiados da senhora Walker, que se gaba de gastar milhares de dólares com roupas e sapatos de grifes francesas.
Os empregados domésticos também são alvos de sua língua nervosa. “O que você tá fazendo dando as chaves para a empregada? Com certeza vai ter que comprar todas as suas jóias de volta”, disse à Grace quando a viu entregando as chaves de casa a uma faxineira. Nem seu advogado, Will Truman, escapa. Quando o mesmo a convidou para almoçar, ouviu um singelo “Ah, honey! Eu não almoço com os empregados”.
Seguindo com as formas de diversão preferidas da madame, aparece, também, fazer com que trabalhadores sejam demitidos, especialmente as vendedoras.
Karen foi capaz de mandar trazer de El Salvador sua empregada doméstica, Rosário Salazar, e ainda pagou ao seu amigo Jack para que se casasse com a Rose, garantindo-lhe a cidadania estadunidense.
Para ela, a felicidade está em fazer compras. Essa é a melhor forma de se desestressar. Por isso mesmo, passa boa parte do seu tempo olhando catálogos com as novidades nas coleções da estação, perfumes, maquiagens e afins. Dessa maneira, pode fazer suas escolhas até mesmo sem sair de casa e evitar olhar para as coisas que mais a incomodam: gente pobre ou mal-vestida. Livros, revistas e manuais de etiqueta e comportamento complementam sua leitura favorita e indispensável.
Karen não sente nenhum remorso por usar casacos de pele, inclusive de gatinhos, e muito menos ao admitir que seu marido é um explorador, pelo contrário, esse é mais um dos vários mecanismos de distinção que utiliza.
Não pense que a senhora Walker freqüenta apenas os ambientes e as áreas mais chiques, famosas e valorizadas de Nova Iorque. Nada disso! Pode ser vista também em lugares considerados “abomináveis” para alguém de sua classe social. Nessas ocasiões, com o pretexto de não ser reconhecida, embora não use nada além de óculos e lenço – quando usa- adota o pseudônimo de Anastácia Beaverhousen. Celebridades e outras ricaças também podiam ser vistas, todas usando seus pseudônimos, evidentemente, já que ser pego num antro desse tipo seria um enorme motivo de vergonha, tal qual nos aponta Norbert Elias, e a queda total do nível social perante as altas rodas.
Karen adora ir às magazines e aos shoppings para gastar seu dinheiro. Fazer compras é um ritual, e mais do que isso, um instrumento pelo qual, a partir de suas escolhas, pode moldar sua personalidade, construir sua identidade, a qual de preferência deve ser única, nem que para isso tenha que encomendar produtos exclusivos.
Passar em alguma loja de marca famosa é um verdadeiro compromisso em sua agenda. Basta pronunciar seu nome e logo se verá cercada por vendedores que lhe oferecem champanhe e caviar, além dos produtos mais caros disponíveis à venda. É um verdadeiro passaporte para o hedonismo.
Sem dúvida o cartão de crédito é visto como um símbolo de poder, e melhor ainda é usá-lo. A todo instante surgem novos objetos para serem devidamente consumidos: novos artigos da estação, jóias ou o que quer que lhe desperte o desejo e lhe dê prazer em adquirir, logo prontamente trocados por outros objetos, como nos mostra Bauman, no texto Turistas e Vagabundos, coonvertendo-a, nas palavras de Llpovetsky ,em uma turboconsumidora.
A forma que encontrou para obter tudo isso foi através de seu casamento. Em várias ocasiões declarou que não vai para cama com seu marido por dinheiro, e sim “por jóias, casacos de pele, ações. Como uma dama”. O amor é demonstrado pelo ato de presentear, e quanto mais caro for o presente, maior é o afeto. Tudo pode ser comprado, ou pelo menos tem um preço.
Seu melhor amigo se chama Jack McFarland, um personagem que aos trinta anos de idade ainda não se decidiu sobre o que fazer da vida e é sustentado pelos amigos. Assim como a Karen, tem um gosto bastante requintado, porém não dispõe de uma conta bancária recheada, apesar de manter a mesma pose da amiga.
Um de seus alvos prediletos é justamente seu melhor amigo, Will Truman, a quem não cansa de chamar de “gordo”, “obeso”, “baleia” e “careca”. Jack é extremamente crítico quanto à aparência física das pessoas. Para ele o corpo deve ser bem tratado, ou seja, definido, com o objetivo de ser exibido socialmente. “Uma vez vi um cara que ia tirar fungo debaixo das unhas e acabou voltando sem os dois braços. Ainda bem que ele era feio, então não foi tão triste”.
Para o Jack, motivo de vergonha seria aparecer com um parceiro que não se enquadre dentro da lógica de beleza atual. Todos seus companheiros recebem uma nota, variável de zero a dez, conforme a aparência física e o jeito de se vestir, de se comportar e, por que não, pela classe social do indivíduo.
Por conta disso, passa horas na academia durante o dia, e à noite vai a bares onde mantém “milhares de encontros” com outros caras. É um legítimo representante da classe boêmia: não está preocupado com o futuro, apenas vive o presente. Sonha com a carreira artística, tanto como ator, quanto em ser cantor, embora não consiga obter êxito algum.
Se por um lado Karen Walker é a representante legítima dos “turistas”, por outro Jack McFarland seria o representante high tech dos “vagabundos”, pois apesar de ser aquele que é sustentado por seus amigos, o personagem não está nem um pouco preocupado em reverter essa situação, já que leva uma vida de “turista”.
A série faz uma inteligente crítica social, sempre com muito humor, buscando destacar os piores aspectos da cultura do consumo. Não há o que escape das críticas: desde os meios de comunicação de massa e a chamada indústria cultural (seriados, músicas, filmes, programas de televisão, publicidade - para aprofundar, Indústria Cultural, Adorno), até mesmo o estúdio em que é produzida, a rede que a exibe e os próprios personagens.

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