Will Truman, Grace Adler, Jack McFarland e Karen Walker... Todos esses quatro amigos possuem algo em comum: ambos são movidos a fetiche e dinheiro.
“Honey, dizia Karen, lembra aquela tarde em que você e eu andávamos pela Quinta Avenida e vimos um lindo anel na vitrine da Tiffany’s e você disse ‘se, um dia, eu pudesse ter um anel como esse’?” “Sim”, respondeu Grace. “Eu o comprei pra mim. Não é lindo?”, completou exibindo o anel em seu dedo.
O diálogo a seguir foi no mesmo episódio que o anterior. Jack, na expectativa de conhecer seu pai, declarou: “Não importa se é rico ou pobre, gordo ou magro, desde que seja rico e magro”. Karen (sempre ela!) respondeu-lhe: “Honey, acredite em mim. Rico e gordo também funciona”.
A liquidação da magazine Barney’s foi um verdadeiro fenômeno dentro do programa: todos os personagens passaram por ela, incluindo a Karen, que ainda levou sua empregada, Rosário. Claro que no meio da loja tinha que falar um “pelo amor de Deus, escolhe logo alguma coisa. Estou horas aqui com essa gentalha que adora uma liquidação”.
A mais empolgada com a possibilidade de comprar roupas de grife por um preço bem mais acessível era a Grace. Segundo Will, na banca de casimira em oferta ela “parece os vinte primeiros minutos de O Resgate do Soldado Ryan”. A própria definiu o modo como age diante de tal liquidação: “Nós precisamos nos concentrar. Do mesmo jeito que os tubarões são máquinas de devorar, nós somos máquinas de comprar”.
O comportamento consumista dos personagens se enquadra nas palavras de Don Slater quando o autor diz que “não consumimos com a finalidade de construir uma sociedade melhor, para sermos pessoas melhores e viver uma vida autêntica, mas para aumentar os prazeres e confortos privados”.
Já a Barney’s, bem como as demais lojas do ramo, pode ser definida no seguinte trecho de A Felicidade Paradoxal, do Lipovetsky: “Ao transformar os locais de vendas em palácios dos sonhos, os grandes magazines revolucionaram a relação com o consumo”.
Em outras palavras, consumir virou um espetáculo: desde a exibição das mercadorias nas vitrines, chamando a atenção dos eventuais consumidores que passam pelas ruas para entrarem na loja, até a disposição dos produtos pelas gôndolas em seu interior, separados por setores, onde cada um leva ao outro, construindo verdadeiros corredores harmônicos de bens esperando pelos seus futuros compradores.
Lá dentro, o ambiente é extremamente agradável, o que propicia às compras. Muita luminosidade, muitas cores, variedades, pessoas bem vestidas e, de certa forma, do mesmo nível social, já que as classes baixas se sentem intimidades e constrangidas às vezes até mesmo de entrarem na loja, uma vez que não são bem vindas, muito menos bem vistas nesses estabelecimentos.
Os produtos estão ao alcance de qualquer um. Basta pegá-los da prateleira. O consumidor pode observá-lo com muita calma, e entre as opções existentes analisar cada detalhe até a decisão de qual modelo levar. Com as magazines tornou-se possível a proximidade com os objetos de desejo sem a intermediação de um vendedor. Agora a relação é direta: comprador-produto.
Outra vantagem das grandes lojas é a variedade de marcas disponíveis. A marca é, na verdade, o real foco dos compradores. Numa hilariante cena, onde a personagem Grace ameaçava cortar a etiqueta de uma blusa recém-comprada pela Karen, esta soltou um desesperado grito de “Nãooo. Esta é a melhor parte”. Ou seja, a marca é o verdadeiro diferencial, mais um elemento construtivo de distinção, no sentido do sociólogo Pierre Bourdieu, e da formação das características de individualização de uma pessoa, isto é, sua idiossincrasia.
Os indivíduos se preocupam muito menos em atender suas necessidades, eles querem muito mais atender aos seus desejos de possuírem aquilo que lhes trará status. O produto mais caro, ou aquele que é mais valorizado simbolicamente, ou aquele que tem uma aparência bem mais moderna. O importante é não ter apenas um bem que corresponda às necessidades, já que isso estaria ao alcance de todos pelo crédito facilitado (pelo menos no que prega o discurso publicitário), e sim que proporcione uma sensação de emulação pela esfera do consumo.
O que se tornou essencial é ter o que dê prazer. E se de repente o bem possuído sair de moda, seja porque perdeu seu uso, ou por ter sido substituído por algo mais moderno, ou o que quer que seja, não tem problema: basta comprar o que há de novo, formando-se um inesgotável ciclo de substituição através da reinvenção e/ou da revolução de mercadorias já existentes pelas fábricas. A isso chamamos de lógica-moda, demasiadamente explorada pela mídia.
Lipovetsky diz que “a cultura de massa é uma cultura de consumo, inteiramente fabricada para o prazer imediato e a recreação do espírito, devendo-se sua simplicidade que manifesta”. É a cultura de massa que cria o imaginário de estilo de vida. As mercadorias não têm apenas que cumprir o papel a que se prezam, eles têm que dar ao seu dono uma sensação ao utilizá-las.
No seriado, Karen quase sempre enjoa de um bem pouco depois de tê-lo adquirido; Jack está sempre em busca das novidades mais caras do mercado ou de pertences de artistas levados a leilão, como o patinete do Ricky Martin e a plataforma da cantora Britney Spears; Will adora gastar com camisetas; e Grace com sapatos e botas, todos eles trocados a cada novo lançamento. Essa é a exemplificação perfeita da lógica-moda: os produtos são lançados para serem usados apenas enquanto nada de novo é lançado, uma vez que ultrapassado ele perde seu valor simbólico, mesmo que ainda esteja em perfeitas condições de uso. A ordem é sempre estar atualizado pelas novidades.
Aquele que não se atualiza é ridicularizado. São os chamados cafonas, bregas, sem classe, pobres, feios. A questão do gosto é demonstrada da maneira mais cruel possível. Basta prestar atenção aos comentários que a Karen faz sobre as roupas usadas pela Grace, ou o que o Jack fala das pessoas que não se enquadram no padrão de beleza vendido pela mídia, por exemplo.
Numa das cenas do seriado, uma tia da Grace estava com dor nas costas e havia pedido um analgésico à Karen que não hesitou em dizer um “como você deu mau-jeito? Quando fugia do bom gosto?”.
A crítica maior do seriado é ao hiperconsumo. O hábito de sair comprando tudo que se vê pela frente, coisas até mesmo inúteis, as quais jamais serão utilizadas, ou que não agradam aos nossos próprios gostos, somente pelo ato de exibi-las. Na concepção de Aristóteles, o seriado seria uma crítica ao tipo de vida vulgar, isto é, aquele que busca o bem-estar apenas pessoal, obtido, claro, através de compras, muitas compras.
“Honey, dizia Karen, lembra aquela tarde em que você e eu andávamos pela Quinta Avenida e vimos um lindo anel na vitrine da Tiffany’s e você disse ‘se, um dia, eu pudesse ter um anel como esse’?” “Sim”, respondeu Grace. “Eu o comprei pra mim. Não é lindo?”, completou exibindo o anel em seu dedo.
O diálogo a seguir foi no mesmo episódio que o anterior. Jack, na expectativa de conhecer seu pai, declarou: “Não importa se é rico ou pobre, gordo ou magro, desde que seja rico e magro”. Karen (sempre ela!) respondeu-lhe: “Honey, acredite em mim. Rico e gordo também funciona”.
A liquidação da magazine Barney’s foi um verdadeiro fenômeno dentro do programa: todos os personagens passaram por ela, incluindo a Karen, que ainda levou sua empregada, Rosário. Claro que no meio da loja tinha que falar um “pelo amor de Deus, escolhe logo alguma coisa. Estou horas aqui com essa gentalha que adora uma liquidação”.
A mais empolgada com a possibilidade de comprar roupas de grife por um preço bem mais acessível era a Grace. Segundo Will, na banca de casimira em oferta ela “parece os vinte primeiros minutos de O Resgate do Soldado Ryan”. A própria definiu o modo como age diante de tal liquidação: “Nós precisamos nos concentrar. Do mesmo jeito que os tubarões são máquinas de devorar, nós somos máquinas de comprar”.
O comportamento consumista dos personagens se enquadra nas palavras de Don Slater quando o autor diz que “não consumimos com a finalidade de construir uma sociedade melhor, para sermos pessoas melhores e viver uma vida autêntica, mas para aumentar os prazeres e confortos privados”.
Já a Barney’s, bem como as demais lojas do ramo, pode ser definida no seguinte trecho de A Felicidade Paradoxal, do Lipovetsky: “Ao transformar os locais de vendas em palácios dos sonhos, os grandes magazines revolucionaram a relação com o consumo”.
Em outras palavras, consumir virou um espetáculo: desde a exibição das mercadorias nas vitrines, chamando a atenção dos eventuais consumidores que passam pelas ruas para entrarem na loja, até a disposição dos produtos pelas gôndolas em seu interior, separados por setores, onde cada um leva ao outro, construindo verdadeiros corredores harmônicos de bens esperando pelos seus futuros compradores.
Lá dentro, o ambiente é extremamente agradável, o que propicia às compras. Muita luminosidade, muitas cores, variedades, pessoas bem vestidas e, de certa forma, do mesmo nível social, já que as classes baixas se sentem intimidades e constrangidas às vezes até mesmo de entrarem na loja, uma vez que não são bem vindas, muito menos bem vistas nesses estabelecimentos.
Os produtos estão ao alcance de qualquer um. Basta pegá-los da prateleira. O consumidor pode observá-lo com muita calma, e entre as opções existentes analisar cada detalhe até a decisão de qual modelo levar. Com as magazines tornou-se possível a proximidade com os objetos de desejo sem a intermediação de um vendedor. Agora a relação é direta: comprador-produto.
Outra vantagem das grandes lojas é a variedade de marcas disponíveis. A marca é, na verdade, o real foco dos compradores. Numa hilariante cena, onde a personagem Grace ameaçava cortar a etiqueta de uma blusa recém-comprada pela Karen, esta soltou um desesperado grito de “Nãooo. Esta é a melhor parte”. Ou seja, a marca é o verdadeiro diferencial, mais um elemento construtivo de distinção, no sentido do sociólogo Pierre Bourdieu, e da formação das características de individualização de uma pessoa, isto é, sua idiossincrasia.
Os indivíduos se preocupam muito menos em atender suas necessidades, eles querem muito mais atender aos seus desejos de possuírem aquilo que lhes trará status. O produto mais caro, ou aquele que é mais valorizado simbolicamente, ou aquele que tem uma aparência bem mais moderna. O importante é não ter apenas um bem que corresponda às necessidades, já que isso estaria ao alcance de todos pelo crédito facilitado (pelo menos no que prega o discurso publicitário), e sim que proporcione uma sensação de emulação pela esfera do consumo.
O que se tornou essencial é ter o que dê prazer. E se de repente o bem possuído sair de moda, seja porque perdeu seu uso, ou por ter sido substituído por algo mais moderno, ou o que quer que seja, não tem problema: basta comprar o que há de novo, formando-se um inesgotável ciclo de substituição através da reinvenção e/ou da revolução de mercadorias já existentes pelas fábricas. A isso chamamos de lógica-moda, demasiadamente explorada pela mídia.
Lipovetsky diz que “a cultura de massa é uma cultura de consumo, inteiramente fabricada para o prazer imediato e a recreação do espírito, devendo-se sua simplicidade que manifesta”. É a cultura de massa que cria o imaginário de estilo de vida. As mercadorias não têm apenas que cumprir o papel a que se prezam, eles têm que dar ao seu dono uma sensação ao utilizá-las.
No seriado, Karen quase sempre enjoa de um bem pouco depois de tê-lo adquirido; Jack está sempre em busca das novidades mais caras do mercado ou de pertences de artistas levados a leilão, como o patinete do Ricky Martin e a plataforma da cantora Britney Spears; Will adora gastar com camisetas; e Grace com sapatos e botas, todos eles trocados a cada novo lançamento. Essa é a exemplificação perfeita da lógica-moda: os produtos são lançados para serem usados apenas enquanto nada de novo é lançado, uma vez que ultrapassado ele perde seu valor simbólico, mesmo que ainda esteja em perfeitas condições de uso. A ordem é sempre estar atualizado pelas novidades.
Aquele que não se atualiza é ridicularizado. São os chamados cafonas, bregas, sem classe, pobres, feios. A questão do gosto é demonstrada da maneira mais cruel possível. Basta prestar atenção aos comentários que a Karen faz sobre as roupas usadas pela Grace, ou o que o Jack fala das pessoas que não se enquadram no padrão de beleza vendido pela mídia, por exemplo.
Numa das cenas do seriado, uma tia da Grace estava com dor nas costas e havia pedido um analgésico à Karen que não hesitou em dizer um “como você deu mau-jeito? Quando fugia do bom gosto?”.
A crítica maior do seriado é ao hiperconsumo. O hábito de sair comprando tudo que se vê pela frente, coisas até mesmo inúteis, as quais jamais serão utilizadas, ou que não agradam aos nossos próprios gostos, somente pelo ato de exibi-las. Na concepção de Aristóteles, o seriado seria uma crítica ao tipo de vida vulgar, isto é, aquele que busca o bem-estar apenas pessoal, obtido, claro, através de compras, muitas compras.
2 comentários:
Acredito que, pelo fato do seriado gerar muita empatia com o público, esta crítica é atenuada, por conta da comédia também. Se apenas Karen e Jack fossem personagens compostos como caricaturas rabugentas E impulsionadas pelo consumo, a crítica ficaria mais latente. Mas como Will e Grace, que são uma simpatia, também gostam de gastar, e o humor gira em torno do consumo, a impressão que se dá é de que gostar de gastar não é tão ruim assim... Não parece?
sim, parece, até pq essa é a crítica principal: gastar é bom pq é relaxante, pq é lazer, pq é um ritual etc; de fato, permeados dentro do país mais consumista do mundo - os EUA - a crítica de Will & Grace se centra por reacender o debate sobre até q ponto esse "prazer", "essa coisa boa" é realmente boa no sentido q esconde, q mistifica, as relações por trás do consumo, como os meios de exploração em q o produto foi criado.
mas é isso msm q vc falou: o "parecer", q na série é demonstrado como bom, mas q esconde as lutas de classe etc.
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