sexta-feira, 5 de junho de 2009

Cidades Modernas - Simmel (parte II)


Simmel focou seus estudos numa visão mais filosófica e psicológia dos indivíduos, descrevendo os conflitos do homem urbano.
Após a consolidação das grandes cidades, houve uma brusca ruptura do modo de viver (ethos). O ritmo de vida tornou-se bem mais acelerado, os horários supervalorizados - ser pontual virou uma proeza, e as pessoas ficaram mais afastadas uma das outras, distanciamento justificado pelo fato da vida urbana ter criado uma espécie de reserva entre os indivíduos, os quais não paravam mais para conversar ou simplesmente para cumprimentar uns aos outros. Todos passaram a ser desconhecidos, anônimos numa multidão. O ser humano virou antipático, até por uma postura de defesa aos perigos tipicamente metropolitanos. Ninguém se conhece mais, ninguém sabe o que o outro faz, quem é seu vizinho. O resultado disso foi o fortalecimento da estranheza, aversão e até mesmo repulsão ao próximo.
As mudanças proporcionadas pela vida urbana trouxeram uma nova curiosidade: o potencial de metamorfose. Os sujeitos começaram a montar diferentes construções de si, ou seja, de sua imagem pública, assumiram múltiplos papéis sociais, e, dentro de suas possibilidades, trocam visual, estilo, interesses ou o que quer que seja em tempo recorde. Obviamente até para se cambiar há um limite, embora haja uma gama enorme de possibilidades de metamorfoses.
Os grandes centros possuem uma enorme concentração econômica, estabelecendo relações de poderio. O ser humano descobre seu lado calculista, individualista, impessoal, passando a agir com a cabeça em vez do coração, reduzindo-se assim o peso da consciência subjetiva, para valorizar a consciência objetiva. Forma-se um claro desequilíbrio de consciências, induzindo as pessoas a levarem uma vida mais racional, refletindo na hora da construção de seu projeto de vida. As relações entre os indivíduos passaram a ser mediadas a partir de interesses diferenciados, de egoísmos econômicos, estruturadas em relações de constante instabilidade. Simmel chama esse tipo de interação de sociação.
Em síntese: a cidade proporcionou um potencial de metamorfose jamais visto ao longo da história da civilização humana, entretanto essa metamorfose, em geral, depende mais do que qualquer coisa de seu campo de possibilidades.
A todo instante as pessoas são estimuladas a fazerem o que quiserem, a comprarem, a viajarem etc, e esse estilo de vida é alimentado com a ajuda da mídia. Mas, na realidade, sabemos que esse modo de viver não é para todos. Os planos de vida somente são possíveis àqueles que têm um certo grau de conhecimento e potencial consumidor. A população das classes mais baixas não consegue ver no horizonte um futuro diferente daquele em que vive. O plano de vida lhe é quase imposto: trabalhar para se sustentar e sustentar aos eventuais filhos, que em não raras ocasiões vem ainda na adolescência.
Recaímos em mais uma esquizofrenia burguesa: ao mesmo tempo em que a burguesia cria a idéia de que cada indivíduo tem sua personalidade única, singular, com suas particularidades e seu plano de vida que o distingue dos demais indivíduos, transformando-o em pessoa, ela cria condições de concentração de renda que reduzem vertiginosamente o campo de possibilidades dos indivíduos de baixa renda, minando, inclusive, seu potencial de metamorfose, e conseqüentemente de diferenciação.
A burguesia criou o paradoxo das modernas sociedades urbano-industriais, e com ele sérias conseqüências e conflitos psicológicos, cujo preço é alto. As pessoas vivem angustiadas com o anonimato, sentem-se solitárias, hiperestimuladas o tempo inteiro. Para completar, eis que surge o que Simmel chama de atitude blasé, que é justamente o esgotamento, a saturação das energias, incapacitando os indivíduos de reagirem a novas situações.
O dinheiro torna-se o símbolo da vida moderna por ser impessoal, racional, burocrático, anti-social e individual, bem aquilo que as pessoas e as cidades modernas se transformaram.

2 comentários:

Bia Paes disse...

Muito interessante de pensar essa comparacao do dinheiro com a sociedade.pois é justamente através dele, que podemos identificar uma manifestaçao de fetiche(objeto magico cuja explicaçao nao é racional, nao é histórica nem dialética), propostto por Marx! Em uma sociedade capitalista,imersa a processos de reificação, o dinheiro aparenta ser materialidade sem história, representaçao abstrata dos valores de troca, e justamente essa abstraçao é que "esconde a materialidade", a força de trabalho, lugar da produção, o lugar histórico.troca-se força de trabalho por dinheiro, dinheiro por mercadoria, só que a mercadoria também é fruto da força de trabalho. Acabamos nos "vendendo" como mercadoria e nos "comprando" da mesma forma...

Mare Soares disse...

Porra, esse post definitivamente me deixou deprimida. Eu tinha planos de ler o 3 post de cidades modernas, mas esse partiu meu coração. Kct, é verdade.. Nunca havia pensando nisso, somos anônimos no meio de uma multidão e eu odeio que falem comigo na rua, odeio mesmo. E agora me pergunto o motivo... É. Preciso melhorar :/