João Vitor Santos, aluno da turma de Sociologia e Comunicação, morador da Penha e estudante em Niterói, refletiu sobre seu cotidiano com o transporte público para realização desse trabalho. Ao notar que o valor necessário para realizar esse trajeto corresponde a cerca de 70% do salário mínimo atual, o aluno resolveu analisar o calote nos transportes coletivos.
Para sua análise, João utilizou na bibliografia autores como Michel de Certeau, Néstor García Canclini, Stuart Hall e Carlo Ginzburg para demonstrar como o calote tem fundamento e é usado como tática por sujeitos que dispõem de poucos recursos para driblar as estratégias impostas pelos grupos mais poderosos da sociedade, nesse caso, o governo e as concessionárias responsáveis pela administração das linhas de transportes coletivos no Rio de Janeiro.
Foto: JV Santos |
"Pegar um ônibus na Penha até o Santo Cristo, na altura da Rodoviária Novo Rio. De lá embarcar em outro ônibus até o terminal rodoviário de Niterói. Se sobrar grana e faltar disposição para a caminhada – o que raramente acontece – embarcar em outro ônibus até a Praça da Cantareira. Somando ida e volta desse trajeto chegamos a R$ 26,80 por dia apenas com a mobilidade do bairro da Penha na zona norte do Rio até a Universidade Federal Fluminense, no início de Niterói. Se levarmos em consideração os 5 dias de aula, durante as 4 semanas do mês chegamos a R$ 536,00 por mês. Esse valor dá conta de cerca de 70% do atual salário mínimo. Optei por analisar um recorte do que tenho visto como um importante fenômeno na mobilidade na cidade, o uso do calote no BRT (Bus Rapid Transit), levando em consideração essa matemática que realizo todos os dias para me locomover de onde moro até onde estudo e principalmente pela convivência cotidiana com a gente miúda espalhada por essa cidade. “Uma multidão móvel e contínua, densamente aglomerada como pano inconsútil, uma multidão de heróis quantificados que perdem nomes e rostos tornando-se a linguagem móvel de cálculos e racionalidades que não pertencem a ninguém. Rios cifrados da rua” como diz Michel de Certeau em “A Invenção do Cotidiano”.
Desde os tempos dos pingentes nos bondes, passando pelos surfistas de ônibus e de trem até o atual momento no BRT, o calote pode ser visto enquanto uma maneira de uso do transporte coletivo, pois possui formalidade e inventividade próprias, subvertendo a estrutura, muito distante da passividade do consumidor-esfinge citado por Michel de Certeau. Astúcia Multimilenar, o calote aproveita as ocasiões e delas depende, é um movimento dentro do campo de visão do inimigo, que dispõe de vantagens espaciais, observacionais/visuais e científicas/técnicas que tornam esse inimigo, no caso a lei transvestida de catraca/fiscal/policial, ainda mais poderoso. Leio o calote como uma cultura popular muito inspirado pelas reflexões de Stuart Hall em suas Notas sobre a Desconstrução do Popular, ao afirmar o popular na cultura como uma arena de disputa contra hegemônica, um dos locais onde o socialismo pode ser construído e não apenas expressado como uma coisa pronta. De forma muito sensível Certeau afirma que “o que aí se chama sabedoria, define-se como trampolinagem, palavra que um jogo de palavras associa a acrobacia do saltimbanco e à sua arte de saltar no trampolim, e como trapaçaria, astúcia e esperteza no modo de utilizar ou de driblar os termos dos contratos sociais. Mil maneiras de jogar/desfazer o jogo do outro, ou seja , o espaço instituído por outros, caracterizam a atividade, sutil, tenaz, resistente, de grupos que, por não ter um próprio, devem embaraçar-se em uma rede de forças e de representações estabelecidas. Tem que “fazer com”."
Confira o trabalho na íntegra, clique aqui.
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