sábado, 26 de julho de 2014

Mídia e Representações da Favela - Trabalhos Finais: "Spotted: Icaraí - dos flertes cotidianos ao reforço da ideia de terror"

Dando continuidade à postagem de trabalhos, apresentamos o da aluna Camila Ferreira, que produziu uma rica análise sobre a página Spotted: Icaraí. Fazendo bom uso da bibliografia do curso, ela dissecou a página - da sua capa às postagens do feed - explanando o conteúdo e discursos preconceituosos que se apresentam. Como algumas citações do trabalho requerem ilustração, criamos uma página com as fotos referenciada para a compreensão plena dos exemplos e argumentos - que você pode acessar clicando aqui.

O texto é rico e vale muito a leitura!
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SPOTTED: ICARAÍ 
DOS FLERTES COTIDIANOS AO REFORÇO DA IDEIA DE TERROR

A página “Spotted: Icaraí” (www.facebook.com/SpottedIcarai/timeline) foi criada em 2013, ano em que as “Spotted” tornaram-se uma moda no Facebook. Essas páginas têm por intuito ser espaços de trocas de mensagens anônimas de paquera. No caso analisado, entre moradores e frequentadores do bairro niteroiense. Na seção “Sobre”¹, há o seguinte texto:


Na foto de capa² há outro texto, exemplificando possíveis situações diárias nas quais os flertes acontecem:


Deste modo, as postagens costumam seguir a linha de conteúdo observada no exemplo abaixo:

A ressignificação

A parir da breve descrição e dos exemplos citados, é possível ter uma ideia do funcionamento da página. Porém, há alguns meses, a “Spotted: Icaraí” parece ter deixado seu propósito inicial. Mensagens a respeito de assaltos, furtos, barulho de tiros, viaturas de polícia, “elementos” e “aglomerações” suspeitas tornaram-se rotina nas timelines dos seguidores. O vasto alcance do canal (com 25 mil curtidas até o dia 16 de junho de 2014) e a grande participação do público fizeram dela uma espécie de "noticiário policial” do bairro, motivando o envio de mensagens com tal conteúdo. Assim, a partir da primeira postagem sobre a temática, vieram as inúmeras outras.
Levando em consideração o fato de Icaraí ser um dos bairros nobres de Niterói, onde se encontra a maior parte das classes média e alta do município, não é difícil entender o porquê do interesse no compartilhamento desses assuntos. O local, sonho de moradia e consumo da maior parte da população da cidade e regiões vizinhas, encontra-se entre morros (Cavalão, Estado, Vital Brazil, Palácio, entre outros), o que significa favelas, gente pobre (negros, em sua maioria), riscos. O favelado representa o mal, o sujo, o sem-alma, tendo de permanecer e aceitar os lugares mais baixos da hierarquia social por conta destes fatores. Tal ideia, oriunda do ponto de vista das elites estrangeiras e brasileiras de outros séculos, ganhou novos formatos ao longo do tempo e se consolida a cada dia. Esta representação do pobre como o "inimigo" (DUARTE: 2003), muito presente na visão dos moradores de Icaraí, se estendeu naturalmente à "Spotted". Ela, como um canal de comunicação, possui uma enorme responsabilidade na construção e manutenção de estereótipos estigmatizantes sobre favela e violência urbana (CHAVES: 2007, p. 72).
O objetivo aqui não é dizer que não acontecem ações ilegais, mas observar como a "Spotted" ajuda a disseminar ainda mais um sentimento de terror e preconceito entre as pessoas. Depois dela, a sensação tida em toda Niterói³ (o bairro é a representação da cidade por inteira) é de um aumento extraordinário dos roubos e sequestros, a ponto de não se poder sair de casa. Essa impressão é causada não pelo real crescimento desses indícios, mas pelo aumento de sua divulgação. É como se antes da exposição desses casos na página eles ainda não ocorressem e quando não há textos a respeito, não estariam acontecendo.
Desta forma, a "Spotted: Icaraí" se mostra como uma página de luta de classes, onde as histórias são contadas pelo ponto de vista dos ricos, os sempre mocinhos sofredores, inquestionavelmente. É a velha ideia do morro (pois todos os favelados são bandidos, vagabundos, malvados) invadir o asfalto e tomar um lugar que não lhe pertence.

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