quinta-feira, 28 de maio de 2009

Movimento estudantil ilustrando o “embaralhamento” entre o Público e o Privado no “fazer” política.

Ana Beatriz Paes*


Iniciou esta semana na UFF um processo de eleição interna, exclusivo para estudantes, para definir a chapa que representará a universidade na disputa pela direção da UNE( União Nacional dos Estudantes).
Mesmo considerando todas as dificuldades de estruturar o movimento estudantil, desde agregar pessoas para construí-lo, sensibilizá-las para as causas, conciliar compromissos acadêmicas à militância, mobilizar ações, produzir material de divulgação, etc, etc,etc, não podemos por isso desconsiderar seus efeitos na prática política.
A proposta não é fazer aqui nenhum juízo de valor referente ao atual movimento estudantil, nem tampouco saudar os tempos que não vivi, mas não podemos nos abster de lançar sobre o mesmo um olhar crítico. Pouco interessa nesse caso as limitações do movimento estudantil, ou o menosprezo dos estudantes pela política. Instigante é a como a prática se dá de fato.

Para os não a par do movimento estudantil, o Congresso da UNE é rigorosamente algo desconhecido,quando muito uma oportunidade de viajar gratuitamente com o ônibus cedido pela universidade ou pela própria UNE, e que só vem à cena junto com as urnas instaladas em cada campus. Os esforços para divulgação das chapas, dos ideais políticos de cada uma, são notados apenas às vésperas das eleições. De repente adevisos, jornais, pessoas passando em sala, um universo inteiro se instaura como se de um dia para outro. Apesar das várias assembléias, debates, em que alunos foram convocados previamente, o universo de mobilizações políticas só emerge de fato em específicos momentos como este, o que não significa que não exista.
Como então, fazer os alunos votarem em propostas, que se pararmos para ler, são muito parecidas, e que até então poucos tinham parado para refletir e/ou discutir? Sim, para essa pergunta cabem diversas respostas, mas um dos fatores que mais observo, é através da identificação individual com os atores políticos do processo.
Em algum (elevado) nível as relações sociais e pessoais com os estudantes que compõem as chapas, interferem positiva ou negativamente na chapa como um todo e, por conseguinte no voto. A identificação pessoal do eleitor com o candidato por um lado gera um vínculo de familiaridade, confiança, e por outro despolitiza a ação, ela é impulsionada mais por motivações pessoais, de foro íntimo do que por ser uma proposta de política pública.
Não raro escutamos conversas do tipo:

X: “Oi querida, diz pra mim, qual é mesmo a sua chapa?”
Y: “A minha é a 1000!”
X: “Ah tá, queria só saber. Vou votar pra ajudar vocês!”
Ou mesmo:
Z: “E aí, já votou ?”
K: “Já.”
Z: “Votou em quem?
K: “Na 1000, mas o que interessa mesmo é ir pro Congresso da UNE.”

Claro que não se deve atribuir tais posturas à postura de todos os estudantes, mesmo que sua recorrência seja notória. No entanto, trata-se de um bom exemplo para pensarmos à luz das reflexões de Richard Sennet, em sua obra “Declínio do Homem Público, Tiranias da intimidade”, o embaralhamento do público e do privado no âmbito político.
Ao levarmos em conta o processo histórico, em que a burocratização do Estado, transformando-o em República, reivindicado pelas classes burguesas frente ao estado monárquico Absolutista,em que as formas de conduzir políticas do rei eram rigorosamente indissociáveis de suas práticas cotidianas sociais e pessoais, percebemos que atualmente categorias de caráter público e privado tangentes às esferas políticas, novamente, embora em outra roupagem, se misturam.
“O desejo de revelar a própria personalidade no trato social e de avaliar a ação social em termos daquilo que esta mostra das personalidades das outras pessoas (...) é primeiramente um desejo de se autenticar enquanto ator social por meio de suas qualidades pessoais. O que torna uma ação boa (isto é, autentica) é a personalidade daquele que nelas se engajam, e não a ação em si mesma.”( Sennet, 1988: 25)
Trata-se da reprodução de uma lógica de política personalista, votos para pessoas, amigos, e não em projetos políticos propriamente. Mais um exemplo de consagração do momento do voto como a maior celebração da participação democrática, enquanto as políticas são desenvolvidas distante da participação e representação popular.
Avaliando apenas essa pequena esfera política, porém não menos importante e significativa, podemos observar em nosso cotidiano, práticas recorrentes que se assemelham às que criticamos (ou pelo menos deveríamos) quando observamos em uma perspectiva mais ampla, como práticas nepotistas, privatizações negociadas às escuras, dentre outras.

Mais informações específicas sobre a UNE e seu congresso deveriam estar disponíveis no site: http://www.une.org.br/.

Quem se interessar, tente a sorte...

*ex- militante do movimento estudantil da UFF, levemente desiludida com o mesmo, apesar de reconhecer a importância de sua existência, atenta à conversa descomprometida alheia e cara-de-pau suficiente de fazer desta, tema para post!

2 comentários:

Gyssele Mendes disse...

Interessante pensar como o voto é considerado o símbolo maior da democracia, mas será que é mesmo?
O voto não seria apenas um dos mecanismos de participação presentes numa sociedade dita democrática? É mais participativo aquele que está em dia com suas "obrigações eleitorais" ou aquele que faz da cobrança de seus governantes sua verdadeira "obrigação eleitoral"?
Concordo quando você diz que vivenciamos uma lógica de política personalista, também percebo as coisas assim, mas claro, sem generalizações (ou não?).
Adorei o final do post! hahaha

Mari disse...

O texto tá muito bom, mas discordo de duas coisas muito importantes. A primeira é que as propostas das chapas eram bem diferentes. A chapa da atual direção da UNE, apesar de maquiar isso aqui na uff (porque sabe que não tem adesão), defende projetos de educação e sociedade bem diferentes do que a chapa da esquerda da UNE. Diferenças básicas como a restrição da meia-entrada, a meia passagem, o REUNI, PROUNI e reforma universitária devem ser observadas e citadas. Todos esses projetos são defendidos com unhas e dentes por uma direção cegamente governista e etapista.
Minha outra observação é que, o tempo que a UNE perde defendendo os projetos do governo, deveria gastar se aproximando de cada estudante e tentando ganhá-lo para as lutas do dia-a-dia. Com muito debate e discussão, práticas comuns no ambiente acadêmico.
E sobre o voto, a esquerda da UNE defende que todo estudante tenha voz e voto no congresso, taí mais uma diferença. Não defendemos esse modelo de delegação.
Valeu, galera!