segunda-feira, 24 de abril de 2017

"BICHA: Ressignificar para (re)existir": um TEDx Talk com Marlon Parente



Na edição TEDx Talk UFPE, Marlon Parente fala de seu direito de ressignificar. A palavra "bicha", para homens homossexuais, sempre foi algo doloroso e pejorativo de se ouvir. Esta, dentre outras palavras, deixa marcas muitas vezes irreversíveis na vida das pessoas. Palavras têm o poder do discurso. O poder de subjugar, degradar, humilhar e diminuir. Mas as palavras também têm o poder de enaltecer, valorizar, vangloriar e expor bons significados. A palavra é um elemento vivo de nossa comunicação que deve ser apropriado e ressignificado sempre que possível. 

Confira, abaixo, as belíssimas palavras de Marlon sobre o assunto:


Veja também o documentário "Bichas":




Postagem: Matheus Bibiano - graduando de Estudos de Mídia/
Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UFF - GRECOS/LAMI

domingo, 23 de abril de 2017

Entrevista com Ken Loach no Programa Milênio




Em breve, o CINECLUBE DO GRECOS exibirá alguns filmes de Ken Loach, com debates sobre a sociedade contemporânea. Para iniciar a preparação para este evento, postamos aqui uma entrevista com o cineasta britânico de 80 anos que segue, em seus filmes, abordando temas politicamente engajados.



Postagem: Coordenação GRECOS/LAMI

quarta-feira, 12 de abril de 2017

"A dificil tarefa de definir quem é negro no Brasil": Uma entrevista com Kabengele Munanga


Kabengele Munanga é um antropólogo congolês, naturalizado brasileiro. Sua especialidade nos estudos da antropologia estão centrados nas questões afro-brasileiras. Mais precisamente, assuntos permeados pelo racismo enraizado na sociedade brasileira.

Munanga é graduado em Antropologia pela Universidade Oficial do Congo. Em 1969, ingressou no programa de mestrado na Universidade de Louvain, mas por conta de problemas políticos não conseguiu finalizar seus estudos na Bélgica. Entretanto, conseguiu terminar seus estudos em um programa de doutorado da USP.

Após se estabelecer no Brasil, em 1980, assume a cadeira de Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e volta à São Paulo e assume como professor de antropologia efetivo na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Foi vice-diretor do Museu de Arte Contemporânea e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia e do Centro de Estudos Africanos da USP. Atualmente, desde de 2014, se encontra como professor sênior na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, no programa de Pós-graduação em Ciências Sociais.

Kabengele Munanga é um dos teóricos primordiais para a reflexão das teorias sociais que levam em consideração os racismos aplicados na sociedade brasileira. Em um de seus livros, "Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra", o antropólogo discute a problemática antagônica da mestiçagem no Brasil que atravessa a constituição da identidade nacional brasileira e a concepção da identidade negra dentro do território nacional.

Na entrevista abaixo, concedida em 2004, ao editor da revista Estudos Avançados, o professor Alfredo Bosi e o editor assistente, jornalista Dario Luis Borelli, Kabengele Munanga discute os atravessamentos da formação identitária negra no Brasil e as dificuldades de definir "certeiramente" quem é negro no Brasil.

"ESTUDOS AVANÇADOS: Quem é negro no Brasil? É um problema de identidade ou de denominação?

Kabengele Munanga: Parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência de branco, a pessoa pode se declarar como negro.

No contexto atual, no Brasil a questão é problemática, porque, quando se colocam em foco políticas de ações afirmativas – cotas, por exemplo –, o conceito de negro torna-se complexo. Entra em jogo também o conceito de afro-descendente, forjado pelos próprios negros na busca da unidade com os mestiços.

Com os estudos da genética, por meio da biologia molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente brancos trazem marcadores genéticos africanos, cada um pode se dizer um afro-descendente. Trata-se de uma decisão política.

Se um garoto, aparentemente branco, declara-se como negro e reivindicar seus direitos, num caso relacionado com as cotas, não há como contestar. O único jeito é submeter essa pessoa a um teste de DNA. Porém, isso não é aconselhável, porque, seguindo por tal caminho, todos os brasileiros deverão fazer testes. E o mesmo sucederia com afro-descendentes que têm marcadores genéticos europeus, porque muitos de nossos mestiços são euro-descendentes.

O problema das cotas

E. A.: Em face da concessão de cotas para negros, ou para outros segmentos da população que não tiveram a mesma condição de cursar escolas da classe média ou alta, qual a sua posição?

K. M.: Por ocasião dos trezentos anos da morte de Zumbidos Palmares, em 1995, começamos a discutir essa questão na USP, numa comissão criada pela reitoria.

Os movimentos negros, principalmente o Núcleo da Consciência Negra, pleitearam o estabelecimento de cotas em nossa universidade. Contudo, afirmei que não poderíamos discutir o sistema de cotas sem antes fazer uma pesquisa preliminar em países que já têm experiência de cotas, como os EUA, o Canadá, a Austrália ou a Índia.

Naquela ocasião, apresentei essa proposta, mas ela não foi levada adiante. No entanto, na base de um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), um órgão do governo federal, conclui-se que realmente há uma grande defasagem na escolaridade dos negros nas universidades brasileiras.

Infelizmente, porém, começamos a enfrentar a questão pelas cotas, a partir da decisão do governador Anthony Garotinho, do Rio de Janeiro, que provocou uma confusão muito grande, quando estabeleceu cotas nas universidades estaduais. No entanto, mesmo num país com tantas desigualdades, as políticas universalistas não resolvem o problema do negro. Para isso precisamos formular políticas específicas contra as desigualdades, mas o caminho não deve ser necessariamente por meio de cotas.

Essa discussão, todavia, é importante, porque antes nem se tocava no assunto. Escutei outro dia algo muito positivo quando alguém dizia que deveria haver cotas para pobres. Ora, antes ninguém apresentou esse ponto de vista. Oque mais me surpreende é que jamais o movimento negro se disse contrário a cotas para brancos pobres.

A questão ainda está mal discutida, sendo formulada num tom passional, tanto pelos negros como pelos intelectuais. A questão não é a existência ou não das cotas. O fundamental é aumentar o contingente negro no ensino superior de boa qualidade, descobrindo os caminhos para que isso aconteça.

Para mim, as cotas são uma medida transitória, para acelerar o processo. No entanto, julgo que não somente os negros, mas também os brancos pobres têm o direito às cotas. Se as cotas forem adotadas, devem ser cruzados critérios econômicos com critérios étnicos. Porque meus filhos não precisam de cotas, assim como outros negros da classe média.

E. A.: O sr. iniciou suas declarações dando uma opinião contra as cotas, mas agora aponta para o problema da urgência. As cotas aparecem como uma medida de urgência?

K. M.: Sim. Ao menos que o país diga que tem hoje uma outra proposta emergencial melhor, que não abra mão de uma política universalista com vistas ao aperfeiçoamento do nível do ensino básico. É bom lembrar que a escola pública já apresentou melhor qualidade, mas o negro e o pobre não entravam nela.

Melhorar a escola pública

E. A.: O sr. acha que a médio prazo a alternativa seria uma transformação mais profunda do ensino básico e secundário? Um número considerável de alunos negros faz o segundo grau em escolas públicas. Não falo deles como negros, mas sim como pobres. Será que as cotas não resolvem o problema porque o enfrentam no fim da linha, em vez de atacá-lo no começo?

K. M.: Sim. Porém, vivo aqui há 28 anos e desde que cheguei escuto esse discurso. Mas nunca vi luta política e social alguma para a melhoria da escola pública. Só há o discurso. Mas o que fazer com a vítima? Esperar que isso aconteça por milagre, ou pressionar a sociedade através de uma proposta: como pelo menos cuidar da escola pública? A dúvida que tenho é a seguinte: num país onde a privatização do ensino é cada vez maior e no qual o lobby das escolas particulares é tão forte, só posso antever uma melhoria a longo prazo. Lembro-me de que o primeiro processo contra as propostas de cotas no Rio de Janeiro veio do sindicato das escolas privadas.

Devido a essa tendência para a privatização das escolas públicas, não acredito numa rápida melhoria delas. A desigualdade social que existe há quatrocentos anos não pode ser resolvida por meio de políticas universalistas. É preciso, portanto, traçar políticas específicas para se encontrar uma solução.

A discriminação racial

A palavra “social” incomoda-me muito. Quando dizem que a questão do negro é uma questão social, o que quer dizer “social”? As relações de gênero são uma questão social; a discriminação contra o portador de deficiência é uma questão social; a discriminação contra o negro é uma questão social. Ora, o social tem nome e endereço. Não podemos diluir, retirar o nome, a religião e o sexo e aplicar uma solução química. O problema social tem de ser atacado especificamente.

A discriminação racial precisa ser urgentemente enfrentada. Nós, negros, também temos problemas de alienação de nossa personalidade. Muitas vezes trabalhamos o problema na ponta do iceberg que é visível. Mas a base desse iceberg deixa de ser trabalhada.

Estou aqui, como disse, há 28 anos. Vou a restaurantes utilizados pela classe média e a centros de alimentação nos shoppings. Encontro famílias brancas comendo (homem, mulher e filhos), mas dificilmente estão ali famílias negras. Há uma classe média negra, mas que se autodiscrimina e que é também discriminada. Desafio vocês a me dizerem que encontraram quatro famílias negras em cinco restaurantes de classe média em São Paulo. Vejamos o meu caso: em meu segundo casamento (que é interracial) percebia aquelas “olhadas” – mulher branca, filhos negros do primeiro casamento e filhos mestiços do segundo. Ninguém me expulsava desses lugares, mas eu via as “olhadas”...

(…)

Um antropólogo em dois mundos

E. A.: O sr. poderia descrever um pouco sua trajetória até chegar no Brasil?

K. M.:  Nasci no antigo Zaire, que hoje se chama República Democrática do Congo, numa aldeia no centro do país. Estudei num colégio interno de jesuítas e fiz graduação em Antropologia. Aliás, fui o primeiro antropólogo formado naquela universidade e o único aluno que teve aulas com professores franceses, belgas e americanos convidados, pois não havia ainda professores africanos na Universidade quando eu entrei. Lá, nós acabávamos a graduação com um tipo de dissertação que se chamava Mémoire. O sistema belga dava o direito de se entrar diretamente no doutorado. Em razão disso, comecei o doutorado em Louvain, na Bélgica, em 1969. Dois anos depois, voltei para pesquisas de campo. Mas houve complicações políticas. Cortaram a bolsa e não pude fazer mais nada.

Por coincidência, encontrei no Congo, em 1973, o professor Fernando Mourão, que ali estava realizando palestras sobre as contribuições africanas para a cultura brasileira. Conversamos e ele me disse que a USP possuía um projeto de cooperação com as universidades africanas e que nela eu poderia completar o doutorado. Cheguei aqui em 1975 e me inscrevi no doutorado, sob a orientação do professor João Batista Borges Pereira. Como eu estava bastante adiantado, em dois anos defendi minha tese. Trabalhei sobre o processo de mudanças socioeconômicas numa comunidade no sul do Congo. Voltei correndo à militância para colocar meus conhecimentos à disposição de meu país. Mas quando cheguei lá, tive de fugir para o Brasil.

Quando houve a independência do meu país, o antigo Zaire (em 30 de junho de 1960), eu estava com dezoito anos. A Faculdade foi criada pela Bélgica, seis anos antes da independência, em consequência de pressões internacionais. Fui alfabetizado na minha língua materna, mas no fim do primeiro grau começou o ensino em francês. O resto do curso foi em francês. Isso porque, com mais de duzentas línguas, não era possível escolher uma para ser a língua nacional. Todos os alfabetizados falam francês.

E. A.: Alguma dessas línguas africanas é hegemônica?

K. M.: O suahili que é uma língua falada em muitos países africanos, em parte do Zaire, Tanzânia, Burundi, Quênia e Uganda.

E. A.:  Suahili tem alguma coisa a ver com o árabe?

K. M.: Cerca de vinte por cento do vocabulário, porque desde a Antigüidade os árabes tiveram muita influência no continente, a partir do oceano Índico, além de terem sido responsáveis pelo tráfico oriental e transaariano (entre os anos de 600-1600). Mas a estrutura da língua é totalmente bantu (africana)".


*Para acessar a entrevista completa, clique aqui.


Postagem: Matheus Bibiano - graduando de Estudos de Mídia/
Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UFF - GRECOS/LAMI