Trabalho Final Inês Menezes

I got a crush on Obama
por Ines Aisengart Menezes

Proponho aqui uma breve análise de aspectos da eleição para Presidente dos Estados Unidos e a vitória de Barack Obama através de conceitos de Max Weber, principalmente “tipos ideais de dominação”, pois eles me esclareceram muito sobre o processo de liderança política.

A própria forma como Weber explica suas propostas conceituais me soou interessante. Ao explicar a própria expressão “tipo ideal”, ele comenta que mesmo que você não encontre de forma “pura” na realidade prática, uma manifestação descrita na teoria, essa descrição é importante para qualquer trabalho científico. É necessário que essas idéias de tipificação permaneçam puras na teoria, para garantir o que ele chama, de “fixação conceitual”. Percebi como isto ocorre no próprio desenvolvimento do meu trabalho. Weber fala, por exemplo, de três tipos de dominação, e pude encontrar aspectos de cada uma delas, em menor ou maior grau, no meu objeto de estudo. Tal qual Weber indicou como deveria acontecer. A “dominação” é entendida por ele como a “probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo determinado para mandatos específicos” (DE CASTRO, Anna Maria de; DIAS, Edmundo F. Introdução ao Pensamento Sociológico. Ed. Eldorado, 1974. P. 137-150) e seus tipos ideais, definidos pelo tipo de pretensão, seriam de caráter racional; carismático e tradicional. Ou seja, se um líder pretende legitimar sua liderança na maior parte das vezes a partir de leis instituídas e argumentos racionais, sua dominação tem esse caráter, e esses líderes chegam ao poder pelos processos legais. E essa “autoridade legal”, se baseia em “ordenações impessoais e objetivas”. No aspecto carismático, a dominação se estabelece longe dessa impessoalidade. Aspectos imponderáveis da personalidade do líder prevalecem. Por fim temos a liderança de caráter tradicional, basicamente ligada às tradições. Principalmente as tradições não escritas de uma determinada comunidade – as suas práticas religiosas ou familiares, a obediência aos pais ou aos padres e sacerdotes.

Para começar a abordagem do objeto, é interessante lembrar que o notável “carisma” de Obama foi um aspecto bastante comentado pela imprensa desde o inicio de sua carreira política. Ele teria sido um dos principais fatores responsáveis por transformar um pouco conhecido Senador de Illinois em, primeiramente, um possível adversário a Hillary Clinton, e em seguida, no candidato democrata que ganharia as eleições. Segundo a imprensa, teria sido esse carisma de Obama responsável por essa trajetória de sucesso. A força desses comentários sobre o carisma na liderança política indica que os conceitos de Weber estão populares e atuais.

Como indicado por Weber, nenhum dos três tipos ideais de dominação costuma acontecer em estado puro e sim combinados. E esse é o caso do fenômeno Obama. Mas ao contrário do que tem sido identificado pela imprensa, acredito que é, em primeiro lugar, sua autoridade racional que seja a grande responsável pelo resultado da eleição. O aspecto carismático viria em segundo lugar, e por fim, teríamos até alguns traços de dominação tradicional mesmo que inconsciente. Irei aqui identificar em quais aspectos dessa recente história cada uma dessas formas se manifesta.

Os aspectos racionais na dominação podem ser vistos em sua trajetória na disputa com Hillary Clinton, na longa jornada das Primárias, para ser o candidato do partido democrata. Foi apoiado nas regras do partido Democrata e nas leis nacionais da eleição que ele foi legitimado como candidato à presidência. Não ouso entender ou comentar as regras da eleição americana, que são consideradas complicadas até pelos jornalistas especializados. Mas foi no domínio legal e burocrático que se deu o processo.

Foi recorrendo a mandamentos da própria Constituição, sobre igualdade de oportunidades, que baseou muitos de seus discursos. Foi resgatando valores racionais da formação do país, que haviam sido deixados de lado por Bush e suas guerras e atos inconstitucionais que violam os direitos do indivíduo, como a quebra de sigilo bancário e telefônico. Obama indica que o governo Bush estaria indo para fora da Lei. Um dos principais slogans de campanha foi “change” (“mudança”), que está relacionada com esse aspecto racional de rompimento com o governo fora-da-lei republicano.

Com a crise econômica, Obama já eleito foi conclamado a participar em decisões sobre a economia. Ele teve que ir a público para explicar que Bush é quem pode exercer a autoridade legal de presidente – “não existem dois presidentes”. Essa convocação demonstra o conflito de dois conceitos weberianos: a evidente perda de “legitimidade” de Bush como presidente, apesar de ainda possuir “autoridade” para atuar como presidente.

Obama teve formação em Direito em Harvard, o que denota a força do caráter racional e legislativo em sua trajetória. Alegando que não usaria a advocacia para fazer dinheiro, que não recorreria a dubiedades da Lei para benefício próprio, ele fez carreira defendendo pequenas causas, em defesa da Lei como foi escrita, em nome da igualdade democrática instituída.

Como ele citou na Convenção Democrata de 2004, em defesa ao então candidato John Kerry, aspectos de declarações “iluministas” de mais de duzentos anos atrás (e aclamadas por Martin Luther King em seu discurso “I have a dream”): "We hold these truths to he self-evident, that all men are created equal. That they are endowed by their Creator with certain inalienable rights. That among these are life, liberty and the pursuit of happiness”.

É evidente aqui que seu conceito é racional, instituído na constituição, mas só foi imposto no processo americano bem dosado pelo caráter carismático. Na mesma convenção democrata, o discurso a favor de John Kerry gerou muitos gritos entusiasmados, e sua capacidade magnética, carismática, encantadora de platéias apareceu para a imprensa. Comparados os discursos de John Kerry e outros, com os de Obama nessa convenção, apesar de essencialmente / conceitualmente representarem os meus valores, a mesma vontade de substituir os republicanos, os mesmos argumentos, a mesma racionalidade, eles mobilizaram o público de formas distintas.

Obama resgata o poder da oralidade, através da “eloqüência”, da forma apaixonada de encadear seu discurso, capacidade ironizada pelo candidato republicando John McCain, no último debate da disputa presidencial, como enganadora. Na oratória de apelo estético verbal, esse conjunto de tipo racional e tipo carismático de dominação se combinam. Seu inegável poder de retórica atraiu milhares aos seus comícios.

John McCain a principio também teria sido identificado como um homem carismático, o querido e galante herói ferido em combate, que bravamente resistiu aos vietcongues (historinha contada em todos seus vídeos da campanha). Como já dito, para Weber, o caráter carismático teria o “fundamento primeiro de sua legitimidade na entrega extra-cotidiana à santidade, ao heroísmo ou à exemplaridade”. Poderíamos aí diferenciar o carisma de McCain por esse aspecto de “heroísmo”, enquanto que de Obama seria o de “exemplaridade” – o “negão que fala bem”, como seria identificado ironicamente pelo seu próprio futuro vice-presidente, John Biden.
A campanha eleitoral americana envolve vários aspectos e táticas. Uma das mídias mais fortes é a televisão, tendo seus telejornais dominados pelo assunto. Mas também temos programas humorísticos e de entrevistas orientados e sendo usados em campanha. Nesses programas os candidatos puderam demonstrar suas propostas (aspecto racional), bem como comprovarem seu poder carismático (cativando pelo humor e descontração). As performances nesses programas poderiam ser minuciosamente analisadas, mas seleciono a passagem de Obama no ‘The Ellen DeGeneres Show’, comandado pela comediante e atriz. Além de demonstrar muito humor, o candidato, ao entrar no cenário ao som de uma música, com aparente espontaneidade (indicada pela suposta surpresa de Ellen), começa a dançar. O “homem”, além de tudo, tem “suingue”: “you’ve got the moves!”, diz Ellen.

A internet foi outro veículo de mídia muito importante para o sucesso e exaltação de seu aspecto carismático. Através dela, a campanha de Obama cativou setor pouco envolvido com política nos EUA: os jovens. Neste ano, a participação de jovens na votação atingiu um número recorde; e 66% dos votos de jovens de 18 a 24 anos foram para Obama (segundo dados da CNN). A massiva participação de jovens posteriormente seria identificada como um os fatores responsáveis pela vitória de Obama. Os jovens, geralmente mais seduzidos por aspectos carismáticos de dominação que aspectos racionais, vide o culto aos ídolos da pop music, encontraram na Internet um espaço de participação ativa. E foi através da extrema exarcebação do aspecto carismático de Obama pela mídia, que a sedução aconteceu. Tornou-se uma verdadeira “celebridade” política.

Por fim, a dominação de Obama se caracteriza pela dosagem do caráter carismático e racional, mas podemos perceber traços do aspecto tradicional em sua relação com a igreja e família. Em seu discurso podemos perceber a tradição de “perguntas e respostas”, substituindo o “Alleluia” pelo lema de campanha “Yes, we can”. Quando discursando entre eleitorado negro, percebemos a musicalidade das respostas mais forte, cadenciada. O aspecto tradicional é exercido então principalmente pelos “dominados”, que personificam em Obama a figura desse pregador, pastor protestante, figura importante na Igreja americana e na cultura negra, tradição a qual Obama pretende se vincular.

Esse aspecto religioso mais exagerado acabou sendo negado por Obama, que, como princípio dos democratas, defende a divisão entre Estado e Igreja. Assim ele romperia com aquele que foi seu pastor por 20 anos, Jeremiah Wright, após a descoberta pela mídia de vários sermões controversos. E interessante notar que 78% da comunidade judaica votou em Obama (segundo CNN), e através de vídeos no portal da campanha, fica claro que Obama, apesar de ser católico e mulato, representa valores defendidos pela comunidade judaica.

No aspecto tradicional familiar, Obama reforça os valores familiares, seu papel de pai de família, reforçando que nos EUA “devemos cuidar uns dos outros como irmãos”; a obrigação de preparar a vida para as próximas gerações; exaltando a importância de suas filhas e, principalmente, da participação hiper ativa de sua mulher, Michelle Obama, na campanha.

Obama me pareceu um perfeito exemplo weberiano. E minha hipótese se resume a constatação de que ele é um líder que pretende uma legitima dominação racional/legal e a conseguiu. Mas com uma forte ajuda de aspectos carismáticos, e um pouco de aspectos tradicionais.