quinta-feira, 11 de junho de 2009

Cidades Modernas - Elias (conclusão)



Seguindo Elias, as cidades modernas instituíram um novo estilo de vida, o ethos moderno, bem diferente do medieval. Com base nesse novo modo de viver, foram estabelecidas regras daquilo que seria elegante ou cafona, refinado ou rústico, educado ou bronco. São as regras de etiqueta que refinaram o jeito de agir dos indivíduos, com direito a elaboração de manuais explicativos e tudo mais.
O ethos moderno também trouxe as chamadas políticas de contenção. Na cidade moderna não eram mais bem vistas manifestações exageradas em públicos, seja de afeto, emoção ou raiva. Novamente fortaleceram-se o individualismo e o racionalismo, típicas características do capitalismo burguês. A diplomacia substituiu as batalhas travadas com as espadas. A palavra ganhou força. Os sujeitos passaram a se auto-controlarem, ao passo em que eram controlados na mesma medida. O Estado burguês ganhou legitimidade e autoridade sobre os cidadãos. O ideal de nação veio à tona com tudo.
Caímos em mais uma esquizofrenia da sociedade burguesa. O Estado, dentro de regimes que se afirmam republicanos e/ou democráticos, afirma que perante ele todos são iguais. Os indivíduos só são iguais, só são uma unidade apenas em situações específicas, nas quais interessem ao Estado, por exemplo em eleições. Nesse caso sim, todos são iguais. Afinal, voto não tem classe social, cor, origem geográfica. A própria população cria maneiras de distinção, seja pelos locais freqüentados, vestes, gostos pessoais etc. Qualquer coisa serve para diferenciar-se e pejorativar o próximo.
Mas, indiscutivelmente, uma das maiores maldades da sociedade burguesa é a idéia da possibilidade de ascensão social. Não que seja impossível, mas é pouco provável. A todo o momento somos obrigados a assistir - e isso é cruelmente alimentado pela mídia - que fulano estava no local certo na hora certa, que beltrano ganhou na loteria porque - graças a Deus - sonhou com os números sorteados, que cicrano ganhou um ótimo contrato após ser atropelado por um agente de alguma agência de modelos, que o menino que fazia umas embaixadinhas nos semáforos em troca de umas moedinhas para sobreviver foi “achado” por um olheiro e transformou-se em fenômeno do futebol, e o sujeito trabalhador esforçado não consegue sair da sua mesma vidinha de classe popular oprimida. Desenvolve-se na cabeça desse sujeito o sentimento de ser azarado, quando na verdade ele é apenas mais um na multidão de “pés-frios”.
Nesse momento em que o indivíduo se enxerga como um derrotado ele está naturalizando, introjetando uma determinada visão, ele está criando um Habitus. A idéia de que ele é um frustrado, fracassado por natureza, naturalizando algo que não é real. Ele é apenas uma vítima do regime burguês, e não um esquecido do acaso ou de Deus. Mais uma vez a burguesia cria problemas psicológicos nos cidadãos, instituindo medos interiores, criando verdadeiros campos de batalha dentro dos indivíduos e indiferença entre os desconhecidos.
As cidades modernas estabeleceram relações pesadas de distinção: especialização, letramento e até mesmo motivos de vergonha. O que é bom para as classes populares é quase sempre ridicularizado pelas elites. Chorar aos berros, faltar com modos de refinamento nas refeições, cometer erros na pronúncia é um escândalo para as elites, conquanto não gostar de ritmos como pagode e samba e detestar futebol pode vir a ser uma vergonha para alguém das classes populares.
Em suma: nas cidades modernas, estabeleceu-se a máxima de que ser diferente do próximo é o “algo a mais” do momento.

Um comentário:

Mare Soares disse...

Eu achei esse post chocante 8D.
Enfim.
Logo no começo afirma que a palavra ganhou força e eu concordo, em parte, mais forte do que a palavra eu diria que é a imagem, isso, claro, nos dias atuais, não sei de que ano é Elias. Mas, de qualquer forma, seja de que ano/época/tempo ele for, é isso aí. Continua até hoje. Mas, voltando, eu acredito que a imagem se tornou algo fundamental e é a coisa mais ridícula/estúpida que eu consigo notar na minha existência. E o que me deixa mais irritada é saber que eu faço parte disso, sempre fiz e sempre vou fazer, porque a sociedade é assim e eu - infelizmente - não posso estar fora dela, todos precisam participar mesmo que isso alimente um sistema imbecil.
E um comentário a parte: eu ri. Ri quando fala da pseudo-ascenção. Porque é engraçado e ridículo ao mesmo tempo e eu juro que me pergunto todos os dias como é que isso pode acontecer se tem gente que sabe que é assim...