domingo, 7 de junho de 2009

"Persépolis" e identidades no mundo contemporâneo

Ana Beatriz Paes
Persépolis, 2007 ( França, Estados Unidos)
Gênero: animação, drama
Duração: 95min
Tipo: longa metragem/ P&B/ Cor
Diretores: Vicent Paronnaud, Marjane Satrapi
Roteiristas: Vicent Paronnaud, Marjane Satrapi

Sinopse: "PERSÉPOLIS é a história comovente de uma menina que cresce no Irã durante a Revolução Islâmica. É através dos olhos da precoce e extrovertida Marjane, de 9 anos, que vemos a esperança de um povo ser destruída quando os fundamentalistas tomam o poder, forçando as mulheres a usar o véu e mandando para a prisão milhares de pessoas. Inteligente e destemida, Marjane consegue fintar os “guardas sociais” e descobre o punk, os Abba e os Iron Maiden. Mas, quando o seu tio é cruelmente executado e as bombas começam a cair sobre Teerã durante a guerra Irã/ Iraque, o medo diário que invade o cotidiano do Irã torna-se palpável. À medida que vai crescendo, a ousadia de Marjane torna-se uma constante fonte de preocupação para os seus pais que temem pela sua segurança. Assim, aos 14 anos, tomam a difícil decisão de enviá-la para uma escola na Áustria. Vulnerável e sozinha numa terra estranha tem que enfrentar as típicas contrariedades dos adolescentes. Além do mais, Marjane é confundida com o fundamentalismo religioso e o extremismo, exatamente as coisas de que fugiu no seu país. Com o tempo, acaba por ser aceita e até conhece o amor, mas com o fim da escola começa a sentir-se sozinha e cheia de saudades de casa.
Apesar de isso significar ter que pôr o véu e viver numa sociedade tirânica, Marjane decide regressar ao Irã para estar mais perto da sua família. Após um difícil período de ajustamento, entra para uma escola de artes e casa-se, embora continue a levantar a sua voz contra a hipocrisia a que assiste. Aos 24 anos, percebe que, apesar de ser profundamente iraniana, não pode continuar a viver no Irã. É então que toma a dilacerante decisão de trocar a sua terra natal pela França, cheia de otimismo em relação ao futuro, moldada indelevelmente pelo seu passado."
(retirada na íntergra do endereço: http://www.cineclube.org/programacao/art.php?artid=250)

O filme Persépolis é um belo objeto para pensarmos identidade e suas negociações no mais diversos âmbitos: individual, social, local e global. Vale lembrar que esse filme foi inspirado nas histórias em quadrinhos de Marjane Satrapi que são de cunho autobiográfico.

Pretendo me ater ao máximo às questões de identidade, apesar de saber que outras temáticas abordadas, tais como religião, política, femininsmo,dentre outras, sejam indissociáveis para tratarmos do tema.



 
Inspirada pela discussão do texto "Paraísos Comunais: identidades e significado na sociedade de rede", do livro: "O poder da Identidade. Volume II" de Manuel Castells, procuro aqui discutir os processos de construção de identidades , as relações entre elas , seus usos , mudanças e conflitos em único sujeito, de acordo com seu contexto sócio-cultural.

Marjane desde sua infância está inserida em um complexo contexto histórico, social e cultural. Seu processo de construção identitária, interpretando e reagindo ao universo que a envolve reflete tal complexidade.

O início do filme demonstra um conflito entre as influências das (in)formações ideológicas institucionais, no caso da escola conservadora e das familiares, no caso uma família de ideais revolucionários, na formação da identidade da menina. Neste exemplo, a lógica predominante escolhida por ela não foi a mesma à oficial do país. Ela inicialmente confronta sua família com o ideal que lhe parece correto, o que aprendeu na escola, e então o pai apresenta-lhe uma outra perspectiva sobre a mesma estória, e essa é a que a Marjane assume como verdade.

Adaptando essa passagem aos conceitos de Castells, poderíamos dizer que essa mudança ideológica fez com que ela transitasse de uma "identidade legitimadora- introduzida pelas instituições dominantes da sociedade, no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais", à uma "identidade de resitência- criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica de dominação, construindo assim trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade. "

Em outra passagem, já em Viena e em delicada fase de adaptação, sente-se desconfortável pelo estigma que carrega por ser Iraniana, por ser traduzida como fundamentalista ou "sem maneiras". Encontra a princípio, maior afinidade com um grupo de estudantes de idéias alternativas, anti-hegemônicas,onde sentia-se aceita justamente por ser exótica. Ao passar do tempo, observando o exacerbado niilismo europeu contraposto à sua convicção, vivência política concreta, mais uma vez torna a sentir-se deslocada, reforçando seu caráter estrangeiro, deslocada.

A trama desenvolve-se juntamente com a abordagem desta crise de identidade da protagonista, e as formas como ela tem que se moldar para sobreviver aos mais variados contextos que transita.

Em um dos momentos de crise por exemplo, em uma festa, ao conhecer um rapaz, nega sua nacionalidade e se diz francesa. Ao conversar com ele, marca um lugar de intelectual, discute sobre grandes nomes da filosofia, sociologia, teóricos políticos ocidentais, e quando perguntada sobre sua origem, diz ser da França. Sentindo-se mal pelo feito, volta para casa e então é "seguida" pela sombra de sua avó, representante simbólica de sua consciência, de seus valores, e então sente-se muito mal.

Um outro exemplo, capaz de dar conta da outra identidade considerada por Castells, é quando já de volta ao Irã, Marjane e suas amigas, em uma volta de carro, retira seu véu, e dirige com cabelos soltos ao vento. Podemos considerar tal postura como a de assumir uma "identidade de projeto, quando atores sociais, utilizando-se qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social."

Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados no transcorrer do filme, e obviamente outras interpretações sobre os mesmo poderiam ser realizadas.Portanto, vale a pena assisti-lo e tirar suas próprias conclusões!

A proposta deste post é justamente refletir sobre os vários posicionamentos identitários cabíveis aos indivíduos, atores sociais, quando confrontados com contextos variados.

De que formas reagimos a estímulos ambientais e quais são seus reflexos nas manifestações aparentes, externas, de nossas processualmente construídas identidades? Até que ponto estamos disponíveis para questionar e quem sabe mudar nossas posturas frente à realidades em constante alterações? Vale à pena pensar...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Cidades Modernas - Simmel (parte II)


Simmel focou seus estudos numa visão mais filosófica e psicológia dos indivíduos, descrevendo os conflitos do homem urbano.
Após a consolidação das grandes cidades, houve uma brusca ruptura do modo de viver (ethos). O ritmo de vida tornou-se bem mais acelerado, os horários supervalorizados - ser pontual virou uma proeza, e as pessoas ficaram mais afastadas uma das outras, distanciamento justificado pelo fato da vida urbana ter criado uma espécie de reserva entre os indivíduos, os quais não paravam mais para conversar ou simplesmente para cumprimentar uns aos outros. Todos passaram a ser desconhecidos, anônimos numa multidão. O ser humano virou antipático, até por uma postura de defesa aos perigos tipicamente metropolitanos. Ninguém se conhece mais, ninguém sabe o que o outro faz, quem é seu vizinho. O resultado disso foi o fortalecimento da estranheza, aversão e até mesmo repulsão ao próximo.
As mudanças proporcionadas pela vida urbana trouxeram uma nova curiosidade: o potencial de metamorfose. Os sujeitos começaram a montar diferentes construções de si, ou seja, de sua imagem pública, assumiram múltiplos papéis sociais, e, dentro de suas possibilidades, trocam visual, estilo, interesses ou o que quer que seja em tempo recorde. Obviamente até para se cambiar há um limite, embora haja uma gama enorme de possibilidades de metamorfoses.
Os grandes centros possuem uma enorme concentração econômica, estabelecendo relações de poderio. O ser humano descobre seu lado calculista, individualista, impessoal, passando a agir com a cabeça em vez do coração, reduzindo-se assim o peso da consciência subjetiva, para valorizar a consciência objetiva. Forma-se um claro desequilíbrio de consciências, induzindo as pessoas a levarem uma vida mais racional, refletindo na hora da construção de seu projeto de vida. As relações entre os indivíduos passaram a ser mediadas a partir de interesses diferenciados, de egoísmos econômicos, estruturadas em relações de constante instabilidade. Simmel chama esse tipo de interação de sociação.
Em síntese: a cidade proporcionou um potencial de metamorfose jamais visto ao longo da história da civilização humana, entretanto essa metamorfose, em geral, depende mais do que qualquer coisa de seu campo de possibilidades.
A todo instante as pessoas são estimuladas a fazerem o que quiserem, a comprarem, a viajarem etc, e esse estilo de vida é alimentado com a ajuda da mídia. Mas, na realidade, sabemos que esse modo de viver não é para todos. Os planos de vida somente são possíveis àqueles que têm um certo grau de conhecimento e potencial consumidor. A população das classes mais baixas não consegue ver no horizonte um futuro diferente daquele em que vive. O plano de vida lhe é quase imposto: trabalhar para se sustentar e sustentar aos eventuais filhos, que em não raras ocasiões vem ainda na adolescência.
Recaímos em mais uma esquizofrenia burguesa: ao mesmo tempo em que a burguesia cria a idéia de que cada indivíduo tem sua personalidade única, singular, com suas particularidades e seu plano de vida que o distingue dos demais indivíduos, transformando-o em pessoa, ela cria condições de concentração de renda que reduzem vertiginosamente o campo de possibilidades dos indivíduos de baixa renda, minando, inclusive, seu potencial de metamorfose, e conseqüentemente de diferenciação.
A burguesia criou o paradoxo das modernas sociedades urbano-industriais, e com ele sérias conseqüências e conflitos psicológicos, cujo preço é alto. As pessoas vivem angustiadas com o anonimato, sentem-se solitárias, hiperestimuladas o tempo inteiro. Para completar, eis que surge o que Simmel chama de atitude blasé, que é justamente o esgotamento, a saturação das energias, incapacitando os indivíduos de reagirem a novas situações.
O dinheiro torna-se o símbolo da vida moderna por ser impessoal, racional, burocrático, anti-social e individual, bem aquilo que as pessoas e as cidades modernas se transformaram.

domingo, 31 de maio de 2009

os pensadores, Émile Durkheim


Embora seja formado em Filosofia, Durkheim dedica toda sua obra à Sociologia combinando pesquisa empírica com a teoria sociológica.
Partindo do princípio que o homem seria apenas um animal selvagem que só se tornou Humano porque se tornou sociável sendo capaz de aprender hábitos e costumes característicos de seu grupo para poder conviver no meio deste, Durkheim desenvolve seu pensamento.
Baseou-se na idéia fundamental de Comte de que a sociedade deveria ser vista como um organismo vivo e utilizou-se do pressuposto de que as sociedades apenas se mantém coesas quando de alguma forma compartilham sentimentos e crenças comuns.
Pontos fundamentais para compreender o pensamento de Durkheim, cuja base assenta-se em alguns pressupostos e noções fundamentais a serem detalhadas adiante:
  • Os fatos sociais devem ser tratados como coisa
  • A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia e fuga de idéias pré-concebidas
  • O conjunto de crenças e sentimentos coletivos são a base da coesão da sociedade
  • A própria sociedade cria mecanismos de coerção internos que fazem com que os indivíduos aceitem de uma forma ou de outra as regras estabelecidas
· A própria sociedade cria mecanismos de coerção internos que fazem com que os indivíduos aceitem de uma forma ou de outra as regras estabelecidas
Para Durkheim:
"O fato social é tudo o que se produz na e pela sociedade, ou ainda, aquilo que interessa e afeta o grupo de alguma forma”. Seria toda uma maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.
Podemos dizer que O Método Sociológico de Durkheim apresenta algumas noções-chave que percorrem toda a sua visão sociológica:
  • Os fenômenos sociais são exteriores aos indivíduos: a sociedade não seria simplesmente a realização da natureza humana, mas aquilo que é considerado natureza humana é, na verdade, produto da própria sociedade. Os fenômenos sociais são considerados por Durkheim como exteriores aos indivíduos, e devem ser conhecidos como externamente a ele na própria sociedade e na interação dos fatos sociais.
  • O grupo, ou consciência do grupo exerce pressão (coerção) sobre o indivíduo: Para Durkheim, as consciências individuais são formadas pela sociedade por meio da coerção. A formação do ser social (feita em boa parte pela educação) é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas, princípios morais, religiosos, éticos, de comportamento, que determinam a conduta do indivíduo na sociedade. Portanto, o homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela.
Essa seria uma realidade objetiva e, portanto, passível de observação externa. E para que seja submetida a qualquer tipo de análise, Durkheim estabelece algumas normas:
  • Os fatos sociais devem ser tratados como COISAS.
  • O pesquisador deve definir precisamente de que se trata o estudo a fim de que se saiba, e de que ele saiba bem o que está em questão e o que deve explicar.
  • O estudo dos fatos sociais, deveria despir-se de todo o sentimento que corra o risco de ser demasiado

sábado, 30 de maio de 2009

Cidades Modernas - Marx (parte I)


A ascensão burguesa é vital para que se compreenda o processo de formação das cidades modernas, símbolo da divisão entre burguesia e proletariado, entre opressores e oprimidos. Os baixos salários que os burgueses pagam aos operários constroem a dura realidade urbana, criando verdadeiras cidades partidas, onde de um lado há as áreas nobres, reduto da burguesia, e de outro, as favelas e periferias, morada do proletariado. Têm-se o embrião das cidades dormitórios, nas quais boa parte da população sai para trabalhar durante o dia e retorna somente à noite. Nesse momento é gritante a desigualdade social entre as duas classes.

Indiscutivelmente a classe burguesa promoveu enormes mudanças no modo de viver que “contaminaram” todo o planeta. Uma das mais visíveis transformações foi a subordinação do campo em relação às cidades, por conta da instalação de indústrias cada vez maiores nos centros urbanos, cuja produção não é mais pensada para os mercados local e regional, mas sim global, requerendo para isso matérias primas de qualquer ponto do planeta. Eis a expansão comercial, a busca incessante por lucros, a instalação de filiais em outros pontos da Terra, a globalização.
O efeito imediato foi a migração em massa de milhares de pessoas das regiões rurais para as urbanas, atraídas por possíveis oportunidades de emprego, embora muitas das quais foram forçadas a realizarem esse tipo de deslocamento com o intuito burguês de formar um exército industrial ativo e de reserva. A abundância de mão de obra é desejada pelos burgueses, já que assim conseguem lucros ainda maiores oriundos de salários cada vez mais reduzidos em função da relação trabalhadores/vaga.
Foi justamente o fato de serem as sedes dos conglomerados que proporcionou às cidades um poder de barganha imenso sobre o interior, a ponto de determinar e ser determinante sobre a produção rural e também fornecer produtos para o campo, tais como maquinário, agrotóxicos, fertilizantes etc. Essa ciranda resultou em um crescimento cada vez maior às cidades, atraindo mais contingente populacional, acentuando as desigualdades sociais.
A burguesia conseguiu impor seu perverso sistema de pobreza e exclusão à grande parcela da população, utilizando-se de estratégias no mínimo condenáveis. Uma delas é a ideologia, talvez a pior esquizofrenia do planeta, pois ela existe justamente para negar sua própria existência, isto é, para mascarar a realidade, fazendo com que as pessoas percam a noção do que é verdadeiro e falso, tornando-se alienadas. Dessa forma, os burgueses conseguem ofuscar a dialética, motor da transformação social.
A ideologia é reforçada pelas instituições sociais, desde a religião (ópio do povo), passando pelas artes, mídia, política, entre outras, até chegar à família. Os construtores da ideologia, que começa a partir da base estrutural da sociedade - a economia- passando em seguida para as superestruturas, é o que Marx vai chamar de falsos intelectuais.
Entretanto, a burguesia não seria o que é se não fosse a posse dos meios de produção, um dos pilares de capitalismo. É essa posse que faz com que o proletariado tenha que se submeter às regras burguesas, vendendo sua força de trabalho em troca de um salário, que em tese, deveria dar para sustentar a si e a sua família durante o período entre salários. Não obstante, a parcela paga é menor do que lucro obtido em função do trabalho dos funcionários, estabelecendo o que se denomina mais valia. A coisa chegou a tal ponto, que o trabalhador não faz idéia nem do quanto produz de riqueza ao seu empregador. Se formos mais além, constataremos que parcelas consideráveis não sabe o que ocorre dentro da fábrica além daquilo executado todo santo dia igualzinho e alguns não devem nem saber o que a fábrica em que trabalha produz. No final das contas, todo o salário que o burguês paga ao proletariado acaba retornando aos próprios burgueses pelos outros setores da burguesia, num regime de concentração inesgotável.
A classe burguesa conseguiu criar no inconsciente da população o fetiche. As pessoas compram não só porque precisam, mas sim porque vai lhes dar prazer e, porque não, status. O indivíduo pode gastar todas as suas economias de meses, pode estar endividado, pode não ter dinheiro sequer para manter uma alimentação digna, no entanto ele compra o tênis importado da moda, o celular de última geração, monitores LCD, o carro do ano. Tudo pelo prazer de poder mostrar ao próximo o seu poder de compra, mostrando que ele tem mais dinheiro do que aparenta, obtendo o respeito dos vizinhos apenas pelo que parece ser.
As pessoas transformaram-se em vitrines e placas publicitárias ambulantes das marcas, exibindo seus nomes e símbolos em tudo o que é comprado. Aliás, o status vem principalmente pela etiqueta que o produto traz consigo, mais até do que pelo puro gosto pessoal em usá-lo.
Como bem salienta Marx em O manifesto do partido comunista, “a burguesia como classe revolucionária, ao tomar o poder das monarquias, não eliminou os antagonismos entre as classes, apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta”. As relações sociais de afeto, e mesmo as familiares, foram substituídas por relações comerciais, nas quais somente o dinheiro é importante. Tudo na sociedade moderna parece funcionar com o objetivo de promover a acumulação de capitais a uma só classe, desequilibrando a balança há muito tempo tombada para o lado da burguesia.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Movimento estudantil ilustrando o “embaralhamento” entre o Público e o Privado no “fazer” política.

Ana Beatriz Paes*


Iniciou esta semana na UFF um processo de eleição interna, exclusivo para estudantes, para definir a chapa que representará a universidade na disputa pela direção da UNE( União Nacional dos Estudantes).
Mesmo considerando todas as dificuldades de estruturar o movimento estudantil, desde agregar pessoas para construí-lo, sensibilizá-las para as causas, conciliar compromissos acadêmicas à militância, mobilizar ações, produzir material de divulgação, etc, etc,etc, não podemos por isso desconsiderar seus efeitos na prática política.
A proposta não é fazer aqui nenhum juízo de valor referente ao atual movimento estudantil, nem tampouco saudar os tempos que não vivi, mas não podemos nos abster de lançar sobre o mesmo um olhar crítico. Pouco interessa nesse caso as limitações do movimento estudantil, ou o menosprezo dos estudantes pela política. Instigante é a como a prática se dá de fato.

Para os não a par do movimento estudantil, o Congresso da UNE é rigorosamente algo desconhecido,quando muito uma oportunidade de viajar gratuitamente com o ônibus cedido pela universidade ou pela própria UNE, e que só vem à cena junto com as urnas instaladas em cada campus. Os esforços para divulgação das chapas, dos ideais políticos de cada uma, são notados apenas às vésperas das eleições. De repente adevisos, jornais, pessoas passando em sala, um universo inteiro se instaura como se de um dia para outro. Apesar das várias assembléias, debates, em que alunos foram convocados previamente, o universo de mobilizações políticas só emerge de fato em específicos momentos como este, o que não significa que não exista.
Como então, fazer os alunos votarem em propostas, que se pararmos para ler, são muito parecidas, e que até então poucos tinham parado para refletir e/ou discutir? Sim, para essa pergunta cabem diversas respostas, mas um dos fatores que mais observo, é através da identificação individual com os atores políticos do processo.
Em algum (elevado) nível as relações sociais e pessoais com os estudantes que compõem as chapas, interferem positiva ou negativamente na chapa como um todo e, por conseguinte no voto. A identificação pessoal do eleitor com o candidato por um lado gera um vínculo de familiaridade, confiança, e por outro despolitiza a ação, ela é impulsionada mais por motivações pessoais, de foro íntimo do que por ser uma proposta de política pública.
Não raro escutamos conversas do tipo:

X: “Oi querida, diz pra mim, qual é mesmo a sua chapa?”
Y: “A minha é a 1000!”
X: “Ah tá, queria só saber. Vou votar pra ajudar vocês!”
Ou mesmo:
Z: “E aí, já votou ?”
K: “Já.”
Z: “Votou em quem?
K: “Na 1000, mas o que interessa mesmo é ir pro Congresso da UNE.”

Claro que não se deve atribuir tais posturas à postura de todos os estudantes, mesmo que sua recorrência seja notória. No entanto, trata-se de um bom exemplo para pensarmos à luz das reflexões de Richard Sennet, em sua obra “Declínio do Homem Público, Tiranias da intimidade”, o embaralhamento do público e do privado no âmbito político.
Ao levarmos em conta o processo histórico, em que a burocratização do Estado, transformando-o em República, reivindicado pelas classes burguesas frente ao estado monárquico Absolutista,em que as formas de conduzir políticas do rei eram rigorosamente indissociáveis de suas práticas cotidianas sociais e pessoais, percebemos que atualmente categorias de caráter público e privado tangentes às esferas políticas, novamente, embora em outra roupagem, se misturam.
“O desejo de revelar a própria personalidade no trato social e de avaliar a ação social em termos daquilo que esta mostra das personalidades das outras pessoas (...) é primeiramente um desejo de se autenticar enquanto ator social por meio de suas qualidades pessoais. O que torna uma ação boa (isto é, autentica) é a personalidade daquele que nelas se engajam, e não a ação em si mesma.”( Sennet, 1988: 25)
Trata-se da reprodução de uma lógica de política personalista, votos para pessoas, amigos, e não em projetos políticos propriamente. Mais um exemplo de consagração do momento do voto como a maior celebração da participação democrática, enquanto as políticas são desenvolvidas distante da participação e representação popular.
Avaliando apenas essa pequena esfera política, porém não menos importante e significativa, podemos observar em nosso cotidiano, práticas recorrentes que se assemelham às que criticamos (ou pelo menos deveríamos) quando observamos em uma perspectiva mais ampla, como práticas nepotistas, privatizações negociadas às escuras, dentre outras.

Mais informações específicas sobre a UNE e seu congresso deveriam estar disponíveis no site: http://www.une.org.br/.

Quem se interessar, tente a sorte...

*ex- militante do movimento estudantil da UFF, levemente desiludida com o mesmo, apesar de reconhecer a importância de sua existência, atenta à conversa descomprometida alheia e cara-de-pau suficiente de fazer desta, tema para post!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Uma velha discussão




Não é novidade para ninguém que boa parte dos meios de comunicação no Brasil estão nas mãos de núcleos familiares que dominam determinada região, claro, sob as rédeas de uma emissora de abrangência nacional. Não é difícil encontrar exemplos disso: algumas filiadas do império global como o Sistema Mirante de Comunicação, localizada no Maranhão e que pertence a família Sarney, a Organização Jaime Câmara, de propriedade da família Câmara, que controla os principais veículos de comunicação massiva em Goiás, se estendendo ainda ao estado do Tocantins e a Rede Brasil Sul, o maior grupo de comunicação regional do país sediado no Rio Grande do Sul da família Sirotsky, além da própria Rede Globo, o maior grupo de comunicação do país e que é dirigida pela família Marinho.
O que pretendo nesse post é pensar como essas duas grandes instituições da sociedade contemporânea, a Família e a Mídia, estão atreladas e o que isso pode nos dizer sobre os valores que nos são transmitidos. Sendo a mídia um dos principais instrumentos formadores de opinião, de consciência coletiva como nos diria Durkheim e de ideologia como chamaria Marx, até que ponto há interferência de uma instituição sobre a outra? Não quero ser determinista, mas até que ponto os valores conservadores da família brasileira, nesse caso da classe dominante, nos são repassados como modelo? Será apenas coincidência os apresentadores titulares do Jornal Nacional, o jornal televisivo mais assistido no país, encarnarem o ideal de família burguesa contemporânea? Porque não um jornalista homossexual? Ou portador de necessidades especiais?
É, estamos de volta a uma velha discussão...

domingo, 24 de maio de 2009

Estigmas no Contemporâneo



O conceito de estigma foi estudado pelo sociólogo Erving Goffman, e publicado em seu livro Estigma - Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. O pensador canadense chegou a conclusão de que estigma "será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo" (1980:13), sendo um "efeito de descrédito". A partir desse termo, podemos constatar, que nos últimos tempos, o peso da estigmatização - isto é, "um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem" (1980:12) - parece estar cruzando a fronteira do racial, para o campo dos aspectos físicos. Evidente que não estou negando que ainda exista a segregação racial, muito menos a sócio-econômica, mas um dos aspectos que mais me impressionam é como o corpo, a aparência física, tem servido de um poderoso mecanismo de ridicularização e vergonha.

Veja essa notícia, a título de ilustração.

Ryanair vai cobrar mais de passageiros obesos
Publicada em 23/04/2009

LONDRES - A empresa aérea de baixo custo Ryanair vai cobrar taxa extra dos passageiros com sobrepeso e está ouvindo seus clientes para saber a forma de cobrança pelos quilos considerados excessivos. A medida foi anunciada após os resultados de um concurso de idéias lançado pela empresa, que teve a participação de mais de 30 mil internautas.

Esse é um execrável e explícito exemplo de estigmatização. A sociedade parece caminhar para a criação de outros tantos apartheids, como é o caso da construção de muros cercando as favelas do Rio de Janeiro. Processo semelhante passaram os moradores de uma localidade argentina. A mesma rua dividia a elite de um lado, e chabolas, residências humildes, de outro. As bases de um muro chegaram a ser fincadas no meio de dita rua, não obstante, os moradores impediram que a obra prosseguisse, derrubando-as em motim, numa esplendorosa demonstração de que quando há empenho da população em prol de uma causa, há o recuo dos poderes dominantes.
Outros casos bem sucedidos merecem destaque, tal como o dos deficientes físicos, os quais padeciam do mal do desemprego antes da aprovação da lei que determina que as empresas – de acordo com seu porte – contratem-lhes, sob pena de pagamento de multas. Muitos viram nisso a oportunidade de regressar ao mercado de trabalho.
Entretanto, alguns se indagam: dita lei, e até mesmo as políticas de cotas nas universidades, não vêm a ser um exemplo de estigmatização?

Fica levantada a questão.

sábado, 16 de maio de 2009

Tecnologia X Normatização


Bruno Thebaldi

Quando uma tecnologia é desenvolvida/criada, ela já deve vir normatizada, ou seja, deve ser apresentada aos consumidores/usuários o modo como eles devem desfrutá-la sem que lhes seja dado a oportunidade de interferências em seu emprego, ou, por outro lado, são os usuários, que através da rotina do uso, que devem construir as formas de emprego e utilização conforme seus gostos, vontades e necessidades?

Esta semana, enquanto me espremia dentro de um abarrotado transporte em direção ao Centro do Rio de Janeiro, não pude deixar de escutar a conversa ao celular de uma passageira próxima – não ia tampar o ouvido, né! -, dizendo que “o Orkut foi criado para um uso, mas as pessoas o utilizam de outra forma”. E ela ainda completou: “É um site de relacionamentos”.

Ora, sinceramente, quem foi que disse a maneira com a qual o Orkut – apenas a título de exemplificação – deve ser usado? Onde está uma cartilha e no caso quem estaria autorizado para “ensinar” seus milhões de usuários a utilizá-lo? E mais: qual o problema de que as formas de uso de qualquer tecnologia agreguem novas funções?

Partindo dessa fala de senso comum, teríamos que voltar à pré-histórica época na qual os celulares se resumiam a fazer ligações, e, entretanto, sabemos que a presença de câmera digital embutida já é presentemente, sem nenhum exagero, praticamente um requisito obrigatório, ademais das tantas outras inúmeras funções, como MP3 etc.

Outro ponto importante: a tecnologia é desenvolvida não para “mudar o mundo”, e sim por que numerosos e onerosos estudos e pesquisas já constataram sua viabilidade em termos financeiros, em outras palavras, sua demanda – evidente que, ainda assim, essas pesquisas podem falhar, e falham.

Desta forma, com o decorrer do tempo e com o advento de novas tecnologias dentro da lógica da Revolução Técnico-Científica – que, diga-se de passagem, segue bombando a todo vapor – parece ser mais do que óbvio que para não se tornar obsoleta e prosseguir atrativa, os meios tecnológicos iniciam esse processo de agregação de utilidades e, consequentemente, de flexibilização e multiplicação das possibilidades de uso.

Bem como nos lembra Bauman, na modernidade o que predomina é a fluidez.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

GRECOS no primeiro semestre de 2009


Durante esse primeiro período de 2009, o nosso tradicional Grecos teve sua dinâmica de funcionamento ligeiramente alterada . O que eram reuniões quinzenais situadas no LAMI, excepcionalmente agora são semanais na sala 104 do IACS, adaptada ao formato de aula/ discussão/ grupo de estudos. Toda terça-feira às 13h.
A temática desse semestre é Sociologia, mas em uma perspectiva mais contemporânea.Não estamos estudando os clássicos do pensamento sociológico, mas sim seus legados, "onde cada um deles foi parar..."
Portanto, apesar de já estarmos no meio do semestre,gostaria de expor aos interessados e quem sabe orfãos do Grecos, que o grupo continua aberto , mantendo sua condição inicial: leitura prévia dos textos e participação das discussões.
Semanalmente os textos são disponibilizadas na pasta 59B da Xerox da Economia.
Para próxima aula/encontro, dia 19/05/2009, discutiremos os seguintes textos:

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Trabalhos Finais de Sociologia e Comunicação 2008/2

Vamos postar aqui no Blog do Grecos alguns trabalhos realizados pelos alunos da disciplina de Sociologia e Comunicação desse semestre. Para começar, um ótimo trabalho da aluna Ines Menezes, em que é analisada a eleição de Barack Obama como presidente dos EUA a partir de conceitos do sociólogo alemão Max Weber.
Vale a pena conferir!